Gonçalo Martins, CEO da Chiado Editora, é o nosso convidado para uma entrevista onde a Chiado estará no centro de toda a conversa. A editora é parceira da Hall Paxis e do Monte Novo e Figueirinha na organização de um encontro e prémio literário designado “Do Mosto à Palavra”, que acontece já no próximo dia 27 de maio.
A Chiado Editora é hoje a maior editora do mundo em volume de obras publicadas, sendo a maior editora em Portugal na edição de autores portugueses e brasileiros contemporâneos. Tudo isto foi conquistado em apenas nove anos de existência. O Gonçalo é o protagonista deste sucesso. Fale-nos sobre o nascimento da Chiado. Como é que tudo começou?
Os protagonistas são imensos: Os nossos leitores, autores, parceiros, equipa de trabalho. Foi todo um conjunto de pessoas, que acreditou na Chiado Editora e na sua visão, que permitiu que a Chiado se transformasse no que é hoje. Até 2008, altura em que a Chiado foi criada, publicar um livro era um privilégio reservado quase em exclusivo a uma elite, e quem tinha a capacidade de conceder a oportunidade de publicação era geralmente muito pouco sensível a autores emergentes que não estivessem no palco mediático ou não fizessem parte de um círculo literário restrito. Através da blogosfera eu testemunhava diariamente imensos autores com muita qualidade que não tinham acesso à publicação profissional da sua obra. Era notória a necessidade de uma editora, com uma nova visão, que lançasse toda uma nova geração de autores. A Chiado foi essa editora. Eram uma série de ideias verdadeiras mas ingénuas que fomos aperfeiçoando com muito trabalho e muita determinação.
No vosso sítio na internet está escrito que a política editorial da Chiado tem como objetivo democratizar o mundo editorial, gerando as melhores oportunidades para os autores. Isso quer dizer que é mais fácil editar convosco? Quais as razões?
A democratização passa, acima de tudo, pela simplificação de todos os processos de Edição e Distribuição, pela transparência e clareza de todas as etapas do trabalho e pelo igual empenho no trabalho com qualquer obra, num catálogo onde convivem sem qualquer tipo de preconceitos Autores mais consagrados com outros que avançam com primeiras obras ou propostas de nicho comercial.
Nenhum Autor que nos aborde fica sem resposta, recebe essa resposta num espaço de poucos dias e de forma muito objectiva e franca. Nos casos em que um original é aprovado para Edição, o processo até ao lançamento do livro pode demorar uns meros dois a quatro meses. Num universo profundamente conservador por natureza, como é o universo editorial, existe uma ideia de que publicar é algo que não está ao acesso de todos, mas de uma mão cheia de "escolhidos", tal como é alimentada a falsa noção de que os processos têm que ser pesados e demorados. A Chiado já provou que não tem que ser assim.
Democratizar é alargar a oferta de livros publicados de uma forma absolutamente esmagadora, como temos feito ao longo dos últimos anos. É dar acesso à publicação a milhares de Autores que de outra forma não o conseguiam fazer de forma profissional e digna, até ao surgimento da Chiado. É abrir a todos, independentemente do currículo ou potencial comercial do livro, acesso aos maiores canais de distribuição e à promoção do seu livro com o apoio de uma equipa extremamente profissional e virada para o seu tempo.
Dê-nos o seu parecer relativo ao atual panorama literário português.
É factual que nunca existiram tantos autores e nem tantos leitores como agora. Para termos a percepção correcta desta dinâmica, temos de analisá-la numa perspectiva diferente da tradicional, numa multi-plataforma: Livros, redes sociais, blogues, e-books, etc… Estamos numa altura de muitas e rápidas mudanças neste meio, e como em quase todas as alturas de grande mudança, existem vários riscos e oportunidades para todos.
Considera que os meios de divulgação digitais são um suporte importante para a divulgação do que muito se escreve em Portugal?
São fundamentais. O online veio democratizar, também, o acesso à informação e trouxe consigo novas ferramentas de que um Autor ou uma Editora pode dispor para divulgar o seu trabalho. Há não muitos anos atrás, a divulgação de um novo livro dependia na sua esmagadora maioria da atenção que dois ou três Media lhe poderiam dar, ou das acções de divulgação de proximidade com o Autor - sessões de autógrafos, palestras, etc. Hoje em dia, existem bloggers com mais visualizações diárias do que a tiragem mensal de um jornal tradicional; um tweet de um crítico conceituado pode originar mais encomendas do que uma reportagem televisiva; um Autor com uma rede social forte pode mobilizar mais pessoas do que qualquer anúncio num meio tradicional.
Sempre estivemos e estamos muito atentos ao nosso tempo, na Chiado. Em poucos anos tornámo-nos de forma muito destacada a maior marca portuguesa no Facebook e a maior editora do mundo nesta rede, ultrapassando já os 2.700.000 (dois milhões e setecentos mil) seguidores. Num tempo em que a distribuição convencional era ainda resistente a uma parte do nosso catálogo, a nossa loja online registava já centenas de vendas directas diárias. Não são raros os casos de Autores da Chiado que, mesmo perante a indiferença de alguns Media tradicionais, conseguem a atenção de centenas de milhares de pessoas por meio do seu posicionamento pro-activo online.
Há muitos autores alentejanos editados pela Chiado?
Temos muitos e fantásticos Autores alentejanos, sim. O Alentejo tem oferecido grandes Autores e obras à nossa Língua e isso é fácil de testemunhar, não apenas na Chiado.
A Chiado está a realizar uma parceria com a Hall Paxis e O Monte Novo e Figueirinha. Quais são os objetivos do projeto “Do Mosto à Palavra”?
A relação entre vinhos e a Literatura é algo que nos faz todo o sentido e daí que tenhamos lançado para o mercado os vinhos Chiado, em 2016, em parceria com o Monte Novo e Figueirinha. Cada garrafa é acompanhada por um poema de um grande Autor da nossa Língua. Desta parceria surgiu mais tarde um contacto da Hall Paxis, empresa de matriz alentejana muito demarcada e fortemente empenhada no contributo social e cultural para a sua região. A ideia começou por ser um encontro vínico e literário, que celebrasse a literatura, os vinhos e a alma alentejanas, em que Autores e Leitores se pudessem encontrar num ambiente informal, numa homenagem aos poemas, contos, romances ou histórias ligadas ao Alentejo. Entendemos que esse encontro deveria também servir para estimular e premiar os Autores alentejanos, por meio de um Prémio Literário que terá este ano a sua primeira Edição.
É também mais uma oportunidade que estamos a oferecer a novos talentos?
Sem dúvida. O Prémio é aberto a todos, como não poderia deixar de ser, novos, menos novos, Autores publicados (pela Chiado ou por outra chancela), não publicados, consagrados ou emergentes.
Esta mistura de palavras e de vinho pode dar grandes resultados? Quais as expectativas?
A participação tem sido elevadíssima, com centenas de textos já submetidos a apreciação, o que é já por si um extraordinário sucesso.
Bruno Ferreira é actor, comediante, cronista, escritor e professor na Universidade Católica Portuguesa. Nos últimos anos tem erguido a sua voz bem alto para defender várias causas que unem todos os baixo alentejanos. Da utilização civil do Aeroporto de Beja à eletrificação da linha férrea ou a melhores estradas de acesso a Lisboa, têm sido inúmeras as causas publicamente defendidas por esta figura pública.
Bruno Ferreira aceitou o desafio da Chiado Editora, Hall Paxis e Monte Novo e Figueirinha e irá participar no encontro vínico e literário, no próximo dia 27 de maio, que integra o evento literário “Do Mosto à Palavra”.
Nesta entrevista Bruno Ferreira fala-nos da sua relação com a palavra dita e escrita, dos seus escritores e livros de eleição e diz ser muito interessante aliar “o néctar dos deuses à sabedoria dos homens” num evento que inclui ainda a atribuição de um prémio literário.
A palavra é uma arma. O Bruno Ferreira tem sido a voz dos cidadãos do distrito de Beja em questões fundamentais para o desenvolvimento do nosso território. Está ciente que é a voz de todos em questões como a do Aeroporto, do comboio ou das ligações viárias?
De todo. Estou, felizmente, longe de ser a voz de todos. E digo felizmente porque existem muitas pessoas cheias de vontade - em Beja e em todo o seu Concelho e Distrito - de passarem uma imagem diferente de Beja, de lutarem por esta terra, com ideias e projectos sempre na defesa de uma região económica, e culturalmente sustentável, que é o Baixo Alentejo. Falo de movimentos como o Beja Merece, e outros, que existem e se organizam, conferindo força e opinião à cidadania. Gente que vive em Beja, que conhece, por experiência, as limitações que se lhes levantam diariamente, que as tentam ultrapassar e lhes fazem frente, e que trabalham muito para que o estado de coisas se altere. Acontece que para todos os efeitos, e pelas funções profissionais que desempenho, que implicam a exposição pública da imagem, muitas vezes se torna um pouco mais fácil chegar ao microfone ou à câmara de televisão. E são essas oportunidades que, penso, tenho aproveitado, sempre em defesa de Beja.
Outro factor importante nos dias de hoje é a utilização que pode – e deve – ser feita das redes sociais. Todas elas, e são já tantas, quanto a mim, são aproveitadas em redor de uns escassos 10% das suas verdadeiras potencialidades. Porque a utilização que se lhes dá, geralmente, não passa de transmissão de informação inócua. Comecei a aprender a usar essas redes, em particular o Facebook, para transmitir informação, porque penso que quanto mais informadas as pessoas estiverem melhor podem tomar decisões. E o dia-a-dia está repleto de tomadas de decisão, que vão desde que produto escolher no supermercado, até em que candidato votar num acto eleitoral. Quanto mais informação as pessoas reunirem do seu lado, mais consciente e fundamentada será a sua escolha. Os esclarecimentos que tento imprimir nas minhas publicações têm sempre como base subjacente vários factores: a informação deve ser directa e sustentada, optimista mas crítica, simples e informativa.
Foi o que aconteceu no início do ano a propósito das cabinas da PT, inutilizadas, e que estavam espalhadas pelas ruas de Beja. Publiquei a foto de uma primeira na véspera do ano novo. Estava a poluir o espaço nobre e pedonal das Portas de Mértola. A poluir visualmente, a impedir a mobilidade das pessoas, e repleta de lixo, fazendo as vezes de uma papeleira, com a excepção de que ninguém a esvaziava. As pessoas foram reagindo e começaram a enviar-me fotos de outras cabinas inutilizadas nos mais variados espaços da cidade. Assim, e à distância, aqui em Lisboa, mas com a colaboração de tanta gente em Beja, que fez questão de me enviar fotos, fui criando e actualizando um mapa desses destroços, a que chamei “os mamarrachos da PT nas ruas de Beja”. E o objectivo foi pura e simplesmente atingido. Através das inúmeras partilhas a mensagem chegou à PT, acabei por ser contactado e a situação resolveu-se. Todas as cabinas abandonadas e obsoletas da cidade desapareceram em poucas semanas. Independentemente da importância que possa ter, este é um case study, que prova que com a ajuda e envolvimento de uma comunidade é possível melhorar esse mesmo espaço social. E como se não bastasse o que em conjunto conseguimos, ainda existe uma “supressa” para Beja, por parte da Fundação PT, que em breve será tornada pública. Este tema não trata de Aeroporto, de Auto-estrada ou Comboios, nem tão pouco de Hospital, mas prova a fortíssima acção que as redes sociais colocam ao dispor do cidadão para se almejar um alvo comum. Hoje em dia trabalho e desenvolvo projectos com diversas pessoas que nunca vi pessoalmente ou com quem nunca sequer falei de viva voz. Mas que são pessoas que quem confio. Por aí se prova que esta ferramenta dos tempos modernos pode ser tão útil e eficaz mesmo no que toca a questões mais estruturais na vida das pessoas, como as da questão inicial.
De volta a essa questão, desde criança que me sinto inteiramente Bejense. Apesar de os meus pais, e família, não serem de Beja, nem sequer do seu distrito, foi essa a cidade que escolheram para viver. E essa coincidência foi responsável por este amor sem condição que me acorrenta com paixão à minha cidade. Embora leve já mais anos de vida de Lisboa do que de Beja, e já não tenha família a viver na Rainha da Planície, sempre fui, sou e serei um Bejense convicto. Apesar de dizer, a brincar, que me considero hoje um Lisbejense. Tenho para com a minha cidade este compromisso de sempre a defender e elevar-lhe o nome, obrigação que, antes de mais, é apenas minha, mas que tive oportunidade de, perante a comunidade, reiterar no Salão Nobre dos Paços do Concelho da C.M.B., em Maio 2013, quando tive a honra de ser distinguido com a Medalha de Mérito Artístico e Cultural da Câmara Municipal de Beja.
É uma grande responsabilidade aos seus ombros?
Decorrendo da resposta anterior, a responsabilidade pertence-nos a todos. Se há um aspecto fundamental para que sejam conseguidos resultados, esse factor é a união. Se observarmos com atenção, certamente as vontades entre os diversos partidos políticos e movimentos activos de cidadãos da região, não andarão muito distantes. Estamos a falar justamente de melhores condições de vida, que implicam desenvolvimento (empresarial, económico, cultural/turístico), que envolvem vias de comunicação (Auto-Estrada A26; Linha Férrea directa a Lisboa e com electrificação, e estradas do distrito), e o aproveitamento sustentado de todas as infra-estruturas existentes na Cidade, Concelho e Distrito (que considero um território uno, pelo que sou militantemente contra o actual mapa de regiões que pretende juntar todo o Alentejo numa mesma região, concentrando em Évora todas as valências e secando tudo à sua volta), como o Aeroporto, o Alqueva, o Instituto Politécnico, entre outros. Isto sem nunca esquecer a Saúde, a Educação e os serviços centrais que Beja sempre teve ao longo da sua nobre história e que não pode deixar de possuir.
Certamente as vontades e anseios relativamente a estes temas serão muito próximos entre todos os agentes e forças vivas da cidade e da região. As diferenças estarão nos diversos caminhos que cada um preconizará para lá chegar. Reconheço que por vezes corro o risco de ser considerado romântico, mas continuo a achar que se o objectivo é comum, a questão do caminho para se lá chegar não pode nem deve ser o factor principal, muito menos poderá revestir-se do quase belicismo partidário a que muitas vezes se assiste.
A título de exercício académico, veja-se a capacidade de compromisso e flexibilização que é exigida a António Costa e a forma hábil como consegue alcançar consensos. Isso garantiu estabilidade ao País assente numa fórmula em que poucos acreditávamos no início. Esta é a prova de que a aquiescência é possível. E se o é em contexto nacional mais facilmente o deveria ser na esfera regional. Certamente existirão diferenças entre os vários pontos de vista. Mas seguramente será mais fácil encontrar pontos em comum. Ora é esse o caminho a seguir: pontos em comum. Ao invés da pequena picardia, do boato, do boicote politico intramuros. Só todos teremos a perder se não remarmos em conjunto e na mesma direcção. Sem nunca esquecer que o 25 de Abril nos trouxe as mesmas oportunidades a todos. Primeiro através da livre associação partidária, mais tarde pela mão dos movimentos cívicos. Mas uma coisa é certa: tudo isto serve apenas para alcançar o bem comum, tantas vezes preterido por questões meramente partidárias.
A palavra, escrita ou falada, está presente de uma forma muito sublinhada em todas as suas vertentes profissionais. É actor, comediante, cronista e escritor. O centro de tudo isto é a palavra. Em qual das actividades sente que domina melhor o uso da língua portuguesa?
Em bom rigor sou cada vez mais um faz-tudo no mundo da comunicação. A minha licenciatura está na base desse interesse, uma vez que o curso de Relações Públicas e Publicidade se centra na comunicação, neste caso, empresarial. Mas os meus interesses vão mais longe, e este ano iniciei a actividade educativa, ao aceitar o convite da Universidade Católica para dar aulas de Técnicas Vocais e Colocação de Voz ao Microfone, no âmbito Formação Avançada em Programação, Produção e Apresentação em Rádio da referida Universidade. Relativamente à Língua Portuguesa, confesso ser um apaixonado. Tenho uma colecção de dicionários e de gramáticas que ainda gosto de folhear, mesmo no apogeu da internet, em que quase tudo está ao nosso alcance, sem termos de nos levantarmos e passar os dedos pelas estantes. Evidentemente não sou nenhum catedrático, longe disso, mas preocupo-me em falar e escrever de forma correcta, pesquiso quase diariamente dúvidas que me surgem e defendendo a não adesão ao acordo ortográfico, uma vez não concordar com a forma como o processo foi estabelecido, para além de não ter sido ratificado por Angola nem por Moçambique.
Presumo que seja também um grande leitor. Que autores e que livros marcaram mais o Bruno Ferreira?
Essa é das perguntas que mais dificuldade me coloca na resposta. Livros e discos, bem como viagens, são seres vivos, orgânicos, em permanente mutação, mais do que não seja de acordo com os nossos estados de espírito. Como tal não consigo estabelecer lugares de pódio nestas categorias. Referências eternas são Eça, Jorge Amado, Pedro Juan Gutierrez, Ricardo Araújo Pereira, mas tantos, tantos outros, que quantos mais nomes referisse, mais injusto se tornaria para com os que ficassem a faltar. Apenas digo que sem livros a vida não seria vida. Seria outra coisa qualquer, mas não seria vida.
“Do Mosto à Palavra” é um evento que pretende ligar o vinho à leitura. É feliz esta associação?
À medida que os anos vão passando, sinto-me cada vez mais um epicurista. E penso que isso encerra em si, muito daquilo do que é ser-se alentejano. Os prazeres não deveriam ser condenados, desde que a sua fruição não implique o prejuízo de outros. Ora a leitura, tal como o vinho, desde que de boa qualidade (em ambos os casos), são dois expoentes dessa fruição. Nessa linha não poderia achar melhor reunião, sobretudo em palco alentejano, do que aliar o néctar dos deuses à sabedoria dos homens.
Mas é também um concurso literário. Acha, pelo conhecimento que tem da realidade, que irão surgir novos talentos em áreas como a poesia?
Assim o espero. Existe muita falta de leitura no nosso País. Esta é uma excelente iniciativa para que se possam dar a conhecer e assim se lançarem novos autores. Bem me recordo, aquando da edição do meu primeiro livro, “Bocas de Mentol” (Editorial Minerva), já lá vão uns 20 anos, de bater à porta de editoras, de enviar o manuscrito, e da dificuldade em ser recebido. Espero que este concurso, este prémio, possa ser aproveitado da melhor forma por todos quantos querem escrever, têm esse gosto, no fundo esse sonho, e que tantas vezes escrevem apenas para o arquivo de uma gaveta. Apelo a que se inscrevam, que sejam proactivos, e que aproveitem esta que é uma oportunidade rara e por isso mesmo muito valiosa.
Paulo Barriga é jornalista e diretor do mais importante e influente jornal regional - o Diário do Alentejo. No Dia Nacional dos Jornalistas quisemos saber qual é o seu pensamento a respeito do estado desta arte na região. E o nosso interlocutor não se cansa de afirmar que esta é a melhor profissão do mundo e que os jornalistas que a exercem no distrito "são uns verdadeiros heróis" que "trabalham no fio-da-navalha".
No Dia Nacional dos Jornalistas creio que é interessante compreender qual é a realidade em que vivem estes profissionais. Na sua opinião continua a ser aliciante abraçar esta carreira?
Não sou propriamente um otimista deslumbrado, mas continuo a achar que quem se mete nisto do jornalismo por vocação acaba por abraçar a melhor profissão do mundo. É um facto que os tempos não estão de feição para esta prática e que as fronteiras da deontologia profissional começam a ser atacadas com frequência, principalmente por questões ligadas à concentração dos títulos e dos alvarás dos órgãos de comunicação social em determinados grupos económicos e também por razões de degradação das condições de trabalho no interior das redações. Mas penso que o tempo trará à superfície o bom jornalismo que ainda se faz em Portugal e que esse, sim, sobreviverá à chamada pós-verdade.
Não raras vezes o trabalho dos jornalistas tende a incomodar os poderes instalados. É ainda mais complicado realizar essa tarefa no contexto regional?
Uma das funções do jornalista, para além da primordial que é a de servir de mediador credível entre o acontecimento e a notícia que chaga ao público, é precisamente a de vigiar os restantes poderes que interagem na sociedade. Os norte-americanos têm uma expressão para isso, “watchdogs”. Por conseguinte, incomodar os poderes, faz parte do processo e as pessoas estão á espera que isso a aconteça. Agora, sim, no jornalismo de proximidade essa tarefa toma contornos por vezes épicos… Ou seja, se o zumbir da mosca ao longe já incomoda, imagine ao perto…
Qual é o estado da arte no distrito de Beja. Temos bons jornalistas, a fazer um bom trabalho nos meios regionais?
Tenho para mim que os jornalistas que exercem no distrito de Beja, sem exceção, são uns verdadeiros heróis. Cumprem as suas obrigações profissionais e deontológicas em situações laborais nem sempre dignas para a prática da profissão e, em muitas circunstâncias, fazem trabalhos de excecional qualidade. Se falar do caso que melhor conheço, o “Diário do Alentejo”, posso dizer-lhe que nos últimos quatro a cinco anos fomos galardoados com perto de duas dezenas de distinções e de menções honrosas em prémios de reportagem de índole nacional. Penso que isso também é um sinal do “estado da arte” na região. Mas, continuo a dizer, também aqui há de tudo um pouco…
Os órgãos de comunicação locais, numa região onde o tecido empresarial é muito fraco, têm grandes dificuldades em sobreviver. Isso afeta o desempenho dos jornalistas?
Claro que afeta. O bom jornalismo é sinónimo de empresas de comunicação ou de entidades proprietárias saudáveis financeiramente. Fazer jornalismo no fio-da-navalha, pressionado pelas necessidades mais elementares, é entregar o ouro ao bandido e é um caminho aberto às derrapagens do ponto de vista ético e deontológico. Mas no nosso País, e em concreto na nossa região, a economia ainda não está o nível que todos desejaríamos…
Que diria aos jovens que em breve vão ter que escolher uma licenciatura. Continua a ser interessante enveredar pelas ciências da comunicação?
Neste momento, e com os condicionalismos que atrás referia, com a precaridade laboral e com o desmantelamento das redações, acaba por ser uma escolha profissional arriscada. Mas, num tempo de incertezas, que profissão se pode escolher e iniciar sem riscos associados? Penso que nesta, como em qualquer outra, a qualidade, o empenho a motivação dos jovens jornalistas irá ditar o seu futuro nesta que é, repito, a melhor profissão do mundo.