João Espinho é autor e editor do Blog Praça da República, um blog independente, que se debruça, entre outros, sobre assuntos do Concelho de Beja e da Região, um espaço aberto, de debate, de partilha de pontos de vista, onde se comenta livre e moderadamente o que vai acontecendo. É nesta qualidade que convidamos João Ferraz Espinho a fazer parte deste espaço de reflexão intitulado “Alentejo, um amanhã reinventado”.
Urge fazer uma revolução de mentalidades. E para isso, não há executivo, municipal ou outro, que nos acuda. Somos nós, bejenses, que temos que mudar. Amanhã já será tarde.
Na sua opinião o que falta acontecer no Alentejo e no distrito de Beja, em particular, para vivermos o tão almejado progresso económico e social?
Em primeiro lugar, parece-me que estão por cumprir as promessas que, ao longo de décadas, nos têm sido, sucessivamente, apresentadas pelos governantes, quer da cidade quer do país. Desde que há eleições democráticas, tudo o que é de bom nos tem sido prometido para alcançarmos o desejado desenvolvimento. Como se pode constatar, não passam de promessas eleitorais que, na hora das decisões, são metidas nas gavetas ministeriais e esquecidas até ao seguinte acto eleitoral.
Enquanto cidadão, quais são para si os motivos que conduziram à estagnação da região e ao consequente desânimo por parte de muitos dos seus habitantes?
No seguimento do que disse anteriormente, são também os cidadãos que “deixam” que nada aconteça. Somos pouco interventivos e, muitas vezes, deixamo-nos embalar pelas conversas daqueles que dizem querer representar-nos. Não temos sabido criar sinergias e juntarmo-nos para lutar pelos interesses da região. A divisão das pessoas está enraizada e dela jamais se colherão frutos. A política está mal vista e é encarada por muitos cidadãos como uma maleita da qual se devem afastar. É sabido que, quando nos recusamos a tomar decisões comuns, alguém as tomará por nós.
Por vezes a força de lobby e interventiva junto do poder central e de grupos económicos, pode fazer toda a diferença no desenvolvimento das regiões. O que se diz na sua “Praça” a este respeito?
O Alentejo foi vítima, após o PREC e a Reforma Agrária, de feridas profundas que teimam em não sarar e muito menos em ser esquecidas. Há uma enorme clivagem, transversal a toda a sociedade alentejana, decorrente das lutas travadas após o 25 de Abril. O exagero de algumas reivindicações, a ocupação e posterior devolução de terras e imóveis, criaram um enorme fosso entre vários grupos de cidadãos e que tem acompanhado várias gerações. São, como disse, feridas profundas que, talvez, tendam a sarar nas próximas gerações. Ora, uma sociedade dividida, não tem força e perde capacidade para fazer lobby. Daí que, onde essa clivagem não seja tão evidente, os cidadãos tendam a unir esforços e a saber como fazer pressão sobre os decisores governamentais.
Sendo que o investimento público é sempre determinante no desenvolvimento, considera que a região de Beja poderá alavancar um futuro com base em investimento privado, em áreas específicas?
Beja e a região têm vivido, eternamente, à espera dos milhões de euros vindos dos cofres do estado, como se tal fosse a salvação para o evidente definhamento do interior sul do Alentejo. Como mais adiante tentarei explicar, o investimento público é de primordial importância, mas não podemos estar à espera que o Estado venha aqui depositar os ovos doirados, pois a distribuição dos dinheiros públicos deve assentar numa visão global do território e não pode servir para criar mais assimetrias. Daí que o investimento privado é crucial para que se possa desenvolver a região. Diria mesmo: Não sairemos do marasmo sem empresas privadas dinâmicas que, emparelhadas com o investimento público, possam, realmente, servir de trampolim para o desejado desenvolvimento.
No distrito de Beja assiste-se a um aumento do número de empresários dinâmicos e empreendores. Considera que o caminho percorrido até agora é suficiente, ou será que neste campo também temos ainda muito caminho a percorrer?
Ser empresário no distrito de Beja, ou em qualquer outro distrito do país, é, sem dúvidas, uma tarefa enorme e desgastante de energias. Existem labirintos incontornáveis que, por um lado, impedem que alguém se arrisque a pôr de pé um projecto empresarial e, por outro, vão sugando dinheiros que poderiam ser utilizados na criação de empresas. Ouça-se qualquer empreendedor para se perceber como a teia burocrática é desanimadora, levando muitos a virar costas e a procurar outras paragens onde, cumprindo as exigências legais, os “compadrios” não asfixiam os desígnios de criar novas empresas.
Instalou-se a ideia de que o desenvolvimento da região está dependente, sobretudo, da melhoria das acessibilidades rodoviárias e ferroviárias. Na sua opinião e no geral da sua “Praça da República” será só isto que está a travar o crescimento?
As acessibilidades são essenciais. Uma boa rede de estradas e uma ferrovia electrificada, são exigências que não podemos, de forma alguma, descurar. A luta por melhores estradas e comboios deve ser diária e temos que reinventar essas formas de luta. A cidade de Beja tem vindo, ao longo dos tempos, a perder massa crítica, gente que tenha novas ideias e sugira novos procedimentos reivindicativos. O movimento Beja merece+ tem as suas virtudes mas padece de uma apatia e inércia, muito características dos bejenses. Sendo um movimento que vive de forma pouco organizada, está sujeito aos sabores do tempo e dos impulsos temporários de alguns cidadãos. O movimento bate-se por melhores acessibilidades e pela efectiva rentabilização do chamado aeroporto de Beja. São, indiscutivelmente, objectivos primordiais, mas não lhe reconheço, até ao momento, qualquer peso negocial ou mesmo capacidade para ser lobista.
Viveu algum tempo fora de Portugal, embora num país comunitário, olhando para outras realidades. Que reflexão faz relativamente ao que a região tem para oferecer aos potenciais investidores, portugueses ou não, que possam ajudar no crescimento e desenvolvimento de uma zona do país, que aparentemente tem tudo, mas onde o tempo tem teimado em ficar quase parado?
Durante os 4 anos que vivi na Alemanha, vinha regularmente a Portugal, e obviamente a Beja, e espantava-me o súbito enriquecimento das gentes e da quantidade de estradas (auto-estradas) que se construíam por todo o lado. Eram os tempos gloriosos dos fundos europeus que davam para comprar novos carros, novas habitações, casas de férias, etc…
Porém, a região não estava a beneficiar dessa “riqueza”, os investimentos para impulsionar economicamente o Alentejo eram quase inexistentes. Na Alemanha avisavam-me: com a entrada de Portugal na moeda única, o país não se vai aguentar e, mais tarde ou mais cedo, esse enriquecimento vai inverter-se, dando lugar a graves problemas financeiros. O resto da história já nós conhecemos. Em Beja gastaram-se milhões para esventrar a cidade, para a descaracterizar, foi o Pólis, e no fim, quem beneficiou com todas essas obras? Está à vista que não foi nem a cidade nem a região. Não se soube ter uma visão estratégica de longo prazo optando-se por obras de gosto duvidoso (Praça da República, Jardim do Bacalhau, Avenida Miguel Fernandes), esquecendo que à nossa volta há todo um mundo rural a necessitar reconversão. Simultaneamente, o Instituto Politécnico pareceu-me que foi perdendo dinâmica, mas continua a ser uma das principais, se não a principal, a par do Hospital, instituições do Distrito. Duas instituições que, a meu ver, têm sido muito maltratadas, quer pelos poderes quer pelos cidadãos.
Sendo a Praça da República de Beja o local, por excelência, das decisões relativas ao Concelho de Beja, já que é lá que se situa a Câmara Municipal, e sendo a “Praça da República” o blog mais exposto às condições regionais, que sugestão faria ao executivo Municipal e ao executivo Nacional, no sentido de conferirem ao Distrito de Beja as condições para um reinventar do Baixo-Alentejo, onde todas as condições que temos, possam de facto ser potenciadas?
O novo executivo camarário tem uma enorme tarefa à sua frente: inverter o caminho do isolamento, transformar o evidente definhamento numa nova centralidade, afirmando Beja como efectiva capital de Distrito. Deverá, em primeiro lugar, olhar para as pessoas, para os munícipes, sendo o seu representante junto de um poder central que teima em nos ignorar. O Baixo-Alentejo tem uma infinita riqueza, desaproveitada, ou mal direccionada, e é isso que tem de ser tido em conta pelos novos decisores que têm assento na praça da República. O Centro Histórico da cidade morreu e muito dificilmente ressuscitará sem pessoas. Têm que ser criadas condições para, por um lado, tornar o CH habitável e, por outro, mais favoráveis às empresas que aqui se querem instalar e investir. O definhado comércio local tem que se reinventar, pelo que a Câmara, com as ferramentas disponíveis, deverá auxiliar esses comerciantes a renovar os estabelecimentos, retirando-lhes encargos, permitindo-lhes investir nessa renovação. Mas, e termino aqui, urge fazer uma revolução de mentalidades. E para isso, não há executivo, municipal ou outro, que nos acuda. Somos nós, bejenses, que temos que mudar. Amanhã já será tarde.
O Alentejo é por excelência a região do país que mais atrai os amantes da caça. A sua regulamentação e a organização, daí decorrente, conduziu ao aparecimento de bastantes reservas de caça com uma gestão “profissionalizada” e dinâmica, que tem contribuído para um movimento crescente em direcção a sul, sobretudo nas épocas de “pico”.
Convidámos hoje, para fazer parte do nosso painel, alguém profundamente conhecedor do mundo cinegético e que, connosco, fará uma reflexão acerca do peso desta componente, num Alentejo que se quer no caminho do desenvolvimento. José Manuel Graça dedicou a maior parte da sua vida activa à Banca, tendo sempre, em paralelo, devotado uma grande dedicação ao mundo da caça, actividade que lhe ocupa hoje a maior parte do tempo.
1 – A sua paixão pela actividade cinegética leva-o a ter um vasto conhecimento desse mundo, que não tem partidos políticos nem clubes de futebol. Pode caracterizar-nos a actividade da caça actualmente?
A caça divide-se em dois tipos – maior e menor. Da caça maior fazem parte essencialmente os cervídeos, cujas populações crescem significativamente, e os javalis, que em determinadas zonas registam igualmente um crescimento considerável, até em territórios que não eram comuns no seu habitat. Nos locais onde outrora abundavam, têm vindo a ser substituídos pelos veados, sendo que, e fruto da minha observação e experiência de campo, considero que estas duas espécies têm dificuldade em coabitar.
No que respeita à caça menor, composta por exemplo por perdizes, pombos, tordos, rolas, coelhos e lebres, entre outros, enfrentam-se algumas dificuldades, directamente relacionadas com o seu repovoamento e que passo a explicar: “fazer perdizes” no campo é neste momento, praticamente impossível. Porquê? Porque existem espécies que impedem o seu crescimento e desenvolvimento, tais como as raposas, os saca-rabos os ginetes, em terra, e mais recentemente, por via aérea, as cegonhas, as garças brancas, as pegas, os corvos e os rabilongos, aves que dizimam os ovos e os perdigotos, e que se reproduzem a uma velocidade tal, que poderão assumir a figura de praga. Quanto à rola comum, não será possível um aumento da espécie enquanto não for autorizado o abate da praga da rola turca, que não coabita com outras, para além dos seus tradicionais “inimigos” (pegas, corvos, rabilongos e águias). Ultimamente verifica-se um crescimento significativo de uma outra espécie “ameaçadora”, e protegida – o corvo marinho - que dizima as barragens e ribeiras e a sua fauna piscícola, protegida por muitos ambientalistas.
2 – Existem no Alentejo bastantes reservas de caça, com características diferentes, mas com um número crescente de “adeptos”, sobretudo oriundos de outras regiões. Considera tratar-se de uma actividade que tem em si o poder de potenciar um desenvolvimento turístico para o Baixo Alentejo, embora direccionado?
O potencial de desenvolvimento que a actividade cinegética pode trazer ao Baixo Alentejo é extradordinário. Como principais factores menciono o clima, o tipo de reservas de caça, a orografia dos terrenos, as infraestruturas criadas, e obviamente a característica arte de bem fazer e de bem receber na região. No entanto, lutamos com algumas dificuldades que limitam uma aposta maior no turismo cinegético estrangeiro, e que passo a explicar: conhecendo as regras da caça na Europa, onde frequentemente caço em países como a Dinamarca, Inglaterra, Escócia, Irlanda a Espanha, e tendo conhecimento da dificuldade em transportar armas de caça por avião, existindo inclusivamente companhias aéreas que não permitem o seu transporte, considero extremamente difícil conseguirmos conquistar o caçador estrangeiro. Porquê? Porque a actual lei das armas afasta de imediato a vontade das empresas organizadoras de caçadas, em promover a sua realização no nosso país, por não existir a figura do esmpréstimo de armas. Por um lado, o custo das Licenças é superior a qualquer um dos países que mencionei (125 euros/ano ou 65 euros/mês). Mas nem é este o principal factor. É-o sim, o transporte das armas, que torna moroso o check-in (cerca de duas horas a mais), sendo que também os critérios diferem de país para país, e inerente orgânica policial, tornando os aspectos burocráticos extremamente complexos. Existe ainda uma componente financeira, pois todo o serviço de legalização no transporte de armas de caça é pago através de taxas várias, que diferem entre as companhias aéreas. Por outro lado, existe uma outra condicionante, que é a obrigatoriedade da utilização do cadeado de gatilho. Em nenhum dos países onde caço é utilizado, e nem se compreende o porquê desta imposição, pois os acidentes de caça decorrentes do seu uso são muitos, e infelizmente, bastantes vezes, fatais. Basta que o caçador se esqueça que deixou no cano da arma um cartucho ou uma bala, e ao guardar a arma na bolsa, o cadeado prima o gatilho. A responsabilidade individual tem forçosamente que existir na prevenção dos acidentes ligados à caça, mas este “adereço”, usado apenas em Portugal, na minha opinião, não vem conferir acréscimo à segurança, estando provado que potencia esses mesmos acidentes.
3 – É uma pessoa viajada e conhecedora da actividade noutros países. Estabelece algum paralelo com algum ou alguns deles, ou pelo contrário, considera estarmos ainda num patamar bem distante?
A resposta a esta questão entronca na anterior. Estamos muito distantes de outros países, quer nas práticas, quer na legislação vigente. Posso dar como exemplo a Inglaterra e a Escócia, países que se debatem com problemas de terrorismo bastante maiores do que nós. Nestes países, as empresas que organizam caçadas para estrangeiros, podem alugar armas para essas mesmas caçadas, evitando o seu transporte, bastando para tal enviar o cartão europeu de uso e porte de arma, com um mês de antecedência relativamente à data da caçada, para que a Scotland Yard avalie se o caçador tem ou não cadastro, e dar a respectiva autorização. Desta forma, o caçador, além de não ter que se deslocar com as suas armas, tem ainda à sua disposição 8 a 10 tipos de armas de caça diferentes.
4 – Na sua opinião, o que falta fazer, ainda, para que a actividade cinegética possa considerar-se uma fonte de receitas e que, de alguma forma, possa contribuír para o desenvolvimento da economia local?
Em primeiro lugar, e decorrente das respostas anteriores, considero ter forçosamente que existir uma alteração da legislação vigente, agilizando aspectos fundamentais para a atractividade do caçador estrangeiro, mantendo, evidentemente as questões de prevenção do terrorismo. Muitas vezes as leis são feitas por quem apenas está sentado numa secretária, sem ter perfeito conhecimento da actividade e do terreno, e das regiões em particular. O legislador, deve saber de leis, mas deve igualmente estar informado, conhecer, e pisar o terreno, já para não falar do diálogo e negociações com as entidades responsáveis ligadas ao mundo cinegético.
Por outro lado, todos sabemos da existência dos lobbys fundamentalistas, fortíssimos e anti-caça. Fazem uma grande divulgação dos seus princípios nas redes sociais sem conhecer o campo e a natureza. Por vezes tecem afirmações menos correctas. Lembro-me, por exemplo, e muito recentemente, de uma entrevista a um responsável da Quercus por ocasião do aniversário da Ponte Vasco da Gama, onde ao ser questionado acerca da duplicação da população de flamingos nos últimos 20 anos, na zona da ponte, prontamente respondeu que se a ponte não existisse, não sabia se essa população não teria triplicado ou quadriplicado … (utilizando um pouco de ironia, seria preferível não existir ponte, mas sim uma praga de flamingos?!...)
Ainda no campo da protecção da natureza, refiro de novo o corvo marinho. Esta ave pesca/caça de tal forma assertiva, que dificilmente alguma espécie menor lhe escapa. Sublinho que estão aqui incluídas as rãs, pardelhas, saramugos e bordalos, que são espécies piscícolas quase em extinção e muito protegidas pelos ambientalistas. Acresce que existem concentrações de corvos marinhos em número superior a vinte em pequenas barragens, que acabam por dizimar a fauna piscícola. Há que proteger a natureza sim, mas há que ter uma visão global, e não catalogar os verdadeiros caçadores como matadores, pois são o campo e a natureza que ficam prejudicados.
5 – Considera que a região de Beja e do Baixo-Alentejo, em geral, tem condições para que se pense na actividade cinegética directamente ligada a um turismo específico, que possa traduzir-se em investimento e desenvolvimento?
Como já atrás referi, considero a região de Beja com um excelente potencial de desenvolvimento turístico, pese embora as alterações necessárias. Se esse turismo existir, terá qualidade, cultura própria, e a seu tempo poderá interferir com novos investimentos e infraestruturas, nomeadamente por parte de investidores privados.
6 – Se lhe fossem conferidos cinco minutos num programa televisivo para dar a conhecer a região e o seu potencial de investimento, quais seriam as suas principais preocupações?
Defendo o campo e o Alentejo com a paixão de quem vive e se dedica a tempo inteiro a esse mesmo campo. Os factores para investir são sobretudo o clima, a localização, a possibilidade de desenvolver infraestruturas, a cultura e a vontade de fazer por parte dos residentes. Se forem concedidas condições para adequar os projectos de investimento, seja qual for a área, à realidade socio-económica da região, não descurando nunca as suas características inatas, considero estarem reunidas as condições para qualquer investidor poder fixar-se.
Beja insere-se numa região essencialmente agrícola, onde a implementação do projecto “Alqueva” veio trazer uma nova dinâmica e uma nova realidade aos campos e às explorações agrícolas. Com a mudança de paradigma e de culturas, existiu a necessidade de adaptar os modelos de gestão, por um lado, e por outro sentiu-se a necessidade de uma crescente especialização e profissionalização, quer por parte dos empresários, quer por parte dos técnicos afectos a essas explorações. A agricultura/empresa é hoje uma realidade e os investimentos efectuados têm forçosamente que estar em linha com os objectivos propostos. Formar empresários agrícolas de sucesso requer muita dedicação e profundo conhecimento em várias áreas.
O nosso convidado de hoje é alguém que embora com formação e vasta experiência na área, não estagna e tem como princípio “andar um passo à frente”, por forma a conseguir imprimir as melhores práticas na exploração de que é gestor. Rui Veríssimo Baptista gere a Conqueiros Invest, uma exploração agro-pecuária familiar, com vários polos.
Ou se “provoca” o crescimento ou se deixa apenas o crescimento ao dinamismo do investimento privado.
Sem dúvida que Alqueva transformou muitas vidas e muitas explorações agrícolas. Na sua opinião, o Baixo-Alentejo é neste momento uma região onde se deve apostar fortemente em termos agrícolas? Porquê?
Em primeiro lugar importa precisar que o Alqueva abrange uma parte do Baixo Alentejo (BA). Há um outro BA, o não regado, maior em área que o regado. E este “outro” BA, por comparação com o beneficiado pelo Alqueva, é parte da resposta à pergunta.
A agricultura de regadio é sempre um motor de desenvolvimento dos territórios. Está a ser assim no Alqueva como foi assim noutras regiões onde o regadio chegou. A escala e modernidade do empreendimento do Alqueva veio dar uma dinâmica económica ao território distintiva, que muito dificilmente outro setor poderia proporcionar. Aliás, o passado assim o demonstra. A Agricultura de regadio, pelo nível de investimento e especialização que está a atingir irá, naturalmente, proporcionar a instalação de novas indústrias, com o agroalimentar à cabeça, comportando-se assim como a locomotiva do desenvolvimento do BA.
Contudo, há o outro BA, onde o investimento no setor agrícola é inevitável, porque a ocupação do território assim o exige, já que não há outro setor que lhe valha. Neste caso, o investimento terá naturalmente de ter uma filosofia diferente, e inevitavelmente alicerçado em políticas publicas. Porque se tratam de investimentos com retornos financeiros mais débeis e, portanto, de risco mais elevado, o investimento publico deverá ser desenhado com vista a promover rendimentos justos aos agricultores, assegurando desta forma a manutenção da atividade, e consequentemente, a sustentabilidade económica, social e ambiental destes territórios. As politicas publicas de apoio ao rendimento jogam aqui um papel fundamental.
Em suma a resposta é claramente sim.
Que paralelo estabelece entre o investimento privado efectuado nas imensas explorações que conhecemos e o potencial de desenvolvimento da região?
Cingindo-me à zona do Alqueva, entendo que este investimento é o paradigma do que deve ser o desenvolvimento de uma região e que define claramente o que significa investimento publico de qualidade. O estado investiu na criação de infraestruturas e os privados investem em consequência dessa infraestruturação. Ou seja, o bom investimento publico o que fez foi potenciar o potencial da região, tornando mais rentável, e por isso mais atrativo, o investimento privado. Neste caso, em particular, a água veio colmatar um dos grandes entraves à agricultura desta região de clima mediterrânico.
O Agricultor, como qualquer outro empresário, investe onde se sente seguro, o mesmo será dizer, onde veja rentabilidade financeira e risco controlado. O Alqueva veio precisamente “fabricar” esta realidade.
Considera que o investimento público, em geral, é adequado ao crescimento agro-industrial que se verifica, ou existirá um longo caminho a percorrer até que estejam reunidas as condições para uma real e proporcional conjugação de valores investidos e a investir?
A Agroindústria é fundamental porque valoriza a cadeia agropecuária, sendo por isso uma grande mais valia para a região. A agroindústria significa mais investimento, RH mais qualificados, maior inovação, melhores empregos etc.. É uma consequência natural do desenvolvimento numa região agrícola. Havendo produção ela vai aparecer. Contudo o seu aparecimento poderá ser “provocado” mediante politicas públicas assertivas.
Estas politicas deverão ter um foco muito orientado, por exemplo, nas infraestruturas de transporte, para escoamento competitivo dos produtos (não esquecer que estamos na ponta da europa), na politica de formação, as empresas procuram mão de obra qualificada, e na politica fiscal, para promover, também por esta via, vantagem competitiva face a outras regiões, quer à escala regional, quer nacional, ou mesmo internacional.
Conforme referi, a agroindústria irá aparecer com maior intensidade, porque será inevitável, tendo em conta o investimento na produção a que estamos a assistir. Mas de facto, ela poderia neste momento existir já com uma expressão maior. Tenho a sensação de que pelo facto de se ter construído o Alqueva a administração central parece “sentir” que já cumpriu com a sua obrigação de investimento na região. Por exemplo, há manifestas deficiências nas infraestruturas de transporte, rodovia e ferrovia. Contudo, o governo quando instado sobre a falta de investimento na região, atira para cima da mesa os enormes números do Alqueva. Ou seja, há apenas um discurso contabilístico, não se encontrando uma lógica de planeamento integrado. Aliás, o discurso político enferma deste vício, falam-se de milhões e nunca se fala do resultado desses milhões. De facto, este tipo de discurso é sempre mais fácil, adapta-se a qualquer realidade e facilita a comparação, porque são apenas euros. Se a minha ideia está confusa, pense-se, por exemplo, no Aeroporto…
O crescimento e o desenvolvimento assentam, além da componente investimento, num capital importantíssimo: as pessoas. Na sua opinião, quais os caminhos a seguir para conseguir fixar na região o capital humano, técnico ou não, indispensável ao funcionamento das empresas?
O desenvolvimento económico arrasta sempre consigo as pessoas. No caso do Alqueva é possível criar esse dinamismo económico porque está a acontecer sucesso por via do investimento público e privado. Deste ponto de vista as coisas estão a correr bem.
À semelhança das infraestruturas que referi na pergunta anterior, às entidades com influencia no desenvolvimento da região, restam duas opções, ou se “provoca” o crescimento ou se deixa apenas o crescimento ao dinamismo do investimento privado.O facto de Beja não ter provocado o investimento fez com que algumas regiões limítrofes tivessem assumido a dianteira nalguns investimentos estruturantes. A produção está a fazer o seu caminho, é importante instalar em maior escala a agroindústria, porque é um elemento fundamental de criação de valor na cadeia. As pessoas movem-se com a economia e a economia move-se por interesses. A Camara Municipal poderá e deverá desempenhar um papel fundamental neste processo de captação de investimento porque tem ferramentas, como nenhuma outra entidade na região, como sejam, por exemplo, a fiscalidade e a política de licenciamentos, apenas para falar nas mais importantes.
O Rui imprimiu na sua exploração uma gestão de meios e de recursos rigorosa, com uma forte aposta na inovação, na tecnologia, na energia limpa, entre outras. Quer falar-nos um pouco dessa necessidade de transformação que sentiu e dos benefícios conquistados?
O mundo muda todos os dias e quem não se adapta não vinga. Hoje em dia, na agricultura como noutros setores, um líder é fundamentalmente um gestor da mudança. No meu caso particular, a mudança que estamos a operar nas nossas explorações teve a ver com o facto de o modelo de negócios tradicional que tínhamos implementado estar a perder rentabilidade, e isso despoletou a mudança que está a ocorrer, sempre de forma gradual e estruturada. Neste aspeto é muito importante saber distinguir o que é estrutural e conjuntural. A introdução da agricultura de precisão tem sido uma aposta decisiva na adaptação das nossas empresas.
A agricultura de precisão significa mais informação e desta forma decisões mais robustas. Sondas de rega, imagens de satélite, georreferenciação das operações, mapeamento das produções e dos solos, são algumas das ferramentas que apoiam a nossa agricultura de precisão. Através deles é possível melhorar a rentabilidade porque com os mesmos inputs podemos produzir mais porque os utilizamos melhor.
Por outro lado, é igualmente nosso objetivo tornar as nossas empresas com um balanço energético zero. É por isso que estamos a apostar fortemente na produção fotovoltaica.
Queremos a medio prazo ser uma empresa modelo na gestão dos recursos, mas para isso necessitamos renovar o nosso quadro de pessoal. Esta é uma tarefa lenta porque temos uma forte consciência social, e não utilizamos os despedimentos como ferramenta de gestão.
Na sua actividade, tal como em qualquer outra, um dos caminhos de quem quer progredir, assenta em parcerias. Estabeleceu já alguma parceria ou acordo de colaboração com entidades regionais que estejam abertas a esses novos modelos de investimento/crescimento? Considera que o futuro da agricultura especializada poderá passar por modelos de parceria?
Não conheço nenhum setor de sucesso, ou mesmo país, em que o seu modelo de desenvolvimento não assente em parcerias fortes. A parceria é a potenciação do conhecimento de cada um e é promotora de confiança. Já hoje, nas minhas empresas, temos parcerias, em especial com os nossos fornecedores de referência. Igualmente, desenvolvemos projetos de investigação com empresas e instituições de ciência no âmbito de programas de financiamento comunitário. Mas reconheço que há um algum caminho a percorrer. A parceria é muitas vezes entendida como concorrência. Por outro lado, a noção de parceria para alguma industria e distribuição é entendida de forma enviesada, uma vez que há uma diferença negocial muito grande, sendo que a agricultura geralmente incorpora a maior parte do risco. No entanto, à medida que o setor se vai profissionalizando há uma tendência natural para que as coisas vão melhorando.
Numa outra vertente da sua experiência pessoal, o Rui acompanha de perto, e há vários anos, a actividade da Associação Terras Dentro, sediada em Alcáçovas, enquanto Presidente do Órgão de Gestão. Quer falar-nos um pouco da história, pressupostos e actividade desta Associação?
Terras Dentro (TD) nasceu em Alcáçovas no ano de 1991. Deram-lhe origem a Junta de Freguesia, a Câmara Municipal de Viana do Alentejo e um grupo de cidadãos empenhados no desenvolvimento da sua terra. Nasceu a partir de um programa designado Iniciativa Comunitária Leader I. Esta iniciativa tinha, e tem ainda hoje, um principio fortemente inovador, o de serem as parcerias de cada território a definirem uma estratégia e a decidirem os respetivos projetos, através de uma unidade de gestão constituída por paceiros. Foi em resposta a esta iniciativa que nasceu a TD, como mais vinte associações espalhadas pelo país. O Leader teve mais duas versões, o II e o +, e foi no anterior quadro comunitário integrado no então PRODER. Hoje é uma media do PDR2020. Hoje todo o país rural, continente e lhas, está coberto por associações Leader. Foi um sucesso este programa.
A TD desde a sua criação foi ganhando competências em muitas áreas e hoje desenvolve uma atividade plurifacetada, nomeadamente, no empreendedorismo e animação territorial, na educação e formação, na área do ambiente, da solidariedade (é uma IPSS) e na Cooperação para o desenvolvimento (É uma ONGA – entidade equiparada a organização não governamental de ambiente). Desde 1997 é reconhecida como entidade de Utilidade Publica.
Ou seja, a TD no seu território de intervenção desempenha hoje um papel muito importante junto das populações. Papel muito importante tem que ver com as parcerias, verdadeiras parcerias, que a TD tem construído com parceiros do território.
Como referi, no atual PDR2020, a medida 10 esta destinada às atividades Leader, ou seja, os projetos têm decisão local, através de uma unidade de gestão, da qual sou o presidente. São projetos associadas ao desenvolvimento rural. Para além do presidente há mais 5 entidades representada no Órgão de Gestão, selecionadas de entre os parceiros, rodando em cada 2 anos. Este OG está incumbido de se pronunciar sobre as candidaturas da medida 10 do PDR2020, relativas ao território de intervenção, que se estende pelos municípios de Alvito, Vidigueira, Portel, Montemor-o-novo, Cuba e Viana do Alentejo, onde tem a sua sede, nas Alcáçovas. A decisão das candidaturas enquadrada-se numa estratégia nacional, prevista no PDR2020 em conjunto com uma estratégia territorial que foi desenhada para o território da TD, no âmbito da qual o Órgão de Gestão foi criado. Fruto da minha experiencia como coordenador nacional do Programa Leader+ fui convidado para presidir a este OG. Sou igualmente diretor da TD.
O trabalho da Terras Dentro tem sido meritório, tanto ao nível do desenvolvimento territorial sustentado, como ao da forte preocupação com as condições humanas. Nos dias de hoje é bem evidente a assimetria litoral/interior. Na sua opinião, será este tipo de movimento associativo um apoio e uma esperança para as populações que vivem ainda um pouco “fechadas em si próprias” e, de alguma forma, entregues à sua sorte?
Manifestamente SIM. O território da TD estende-se maioritariamente pelo Alentejo profundo e não regado. Sabemos bem o que significa a assimetria. A TD já empregou mais de 40 técnicos, atualmente tem a seu cargo cerca de 25. Muitas das pessoas que trabalham na TD vivem nas Alcáçovas ou em zonas rurais adjacentes. Formaram família e têm os filhos a estudar na escola das Alcáçovas. Haveria outra forma de conseguir estabelecer um conjunto de pessoas com esta formação numa zona de interior profundo de Portugal? Este é sem dúvida um caminho. Estas realidades não aparecem nas estatísticas. A TD, no âmbito da sua estratégia, vai “buscar” e integrar os vários incentivos que o estado coloca ao dispor e “trabalha-os” por forma a que os apoios sejam canalizados. Mais nenhuma entidade faz esta integração de forma tão eficaz na sua região de intervenção como a TD.
Em que medida Associações como a Terras Dentro podem ter um papel fundamental no desenvolvimento da região?
Neste Alentejo não regado, este tipo de associações do terceiro setor têm um papel fundamental no desenvolvimento económico e humano dos seus territórios. Como referi, a TD é um motor de desenvolvimento na região, e em particular do seu território de intervenção. É por essa razão que todos os municípios têm uma relação de enorme proximidade com a TD, por lhe reconhecerem seriedade e competência no trabalho. São verdadeiramente uma associação de Desenvolvimento Local, porque toda a sua intervenção tem como propósito o território e as pessoas que lá vivem.
A melhor forma de vermos a importância de alguém é perguntar, e se ele se fosse embora?E se a TD fosse embora do território? Não era o fim do mundo, mas não seria tão bom.
Por outro lado, e voltando ao tema das parcerias, toda a intervenção da TD é baseada em parcerias. Dialogo, partilha, coresponsabilização e, consequentemente, confiança. As parecerias nas organizações são o equivalente à socialização nos Homens, e hoje, em muitos estudos, sabe-se que o sucesso de cada um e das sociedades em geral tem a ver com o nível de socialização que ao longo da vida se consegue atingir.
O empreendedorismo de sucesso no Baixo Alentejo requer premissas muito específicas. Sabendo que existem condições para que o desenvolvimento regional seja uma realidade, qual seria o seu apelo enquanto empresário, e enquanto membro da Terras Dentro, no sentido de evidenciar que o Baixo-Alentejo vale a pena, sendo uma região onde o investimento está na ordem do dia?
Todos temos um modelo de desenvolvimento baseado naquilo que vimos, que lemos, que ouvimos, que sentimos. E isso faz-nos sonhar, com uma sociedade mais justa, feliz, jovem, tranquila, promotora de uma cidadania plena em todas suas dimensões. O Alentejo pode um dia ser uma sociedade melhor, que persiga o nosso sonho. Temos um motor de desenvolvimento baseado em algo que é nosso e só nosso, a terra, o sol, o ar e o fogo, felizmente apenas nas lareiras.
O meu sonho para o Alentejo baseia-se acima de tudo nas pessoas. Mais saúde, com um novo Hospital, melhorar os programas de atividades não letivas, apostando fortemente nas atividades culturais e no desporto como elemento de partilha e desenvolvimento pessoal dos jovens, reforçar a ligação do IP Beja às empresas, promover uma forte e inovadora política de natalidade, apoiando os casais com filhos e os que os querem ter, desenvolver uma rede de apoio aos idosos, quer nos cuidados quer na sua participação na sociedade, desempenhando o voluntariado um papel fundamental, desenvolver uma postura ativa na captação de investimento, com a indústria com papel cimeiro, através de benefícios orientados, desenvolver uma rede de mobilidade mais moderna, e tudo feito com a preocupação de sustentabilidade ambiental e equilíbrio social.
Isto seria o sonho, mas muito pode ser feito neste sentido, e quem o pode fazer? O Estado? Precisa de ser espicaçado e tem outras prioridades, já se viu. A sociedade civil? Sim, mas quem pode encabeçar o movimento? Quem o quer fazer? Se houvesse alma e ambição, acho que apenas um alguém está em melhores condições de o fazer. De liderar o processo. Necessitaria de alma, inteligência, ambição e altruísmo democrático. Seria um sonho, mas pode ser um sonho, O, não sei se este, porque não o conheço, Presidente da CM de Beja. Precisava de ser livre, verdadeiramente livre para encabeçar este movimento, porque de um movimento se trata. O resto são questões técnicas de planeamento e gestão. A Vontade não vem nas leis nem nos orçamentos, mas é quem move montanhas.
João Paulo Trindade é o Presidente do Instituto Politécnico de Beja. Nos escassos meses de mandato, já marcou a diferença, na dinâmica que tem imprimido ao Instituto. Pessoa profundamente enraizada no Alentejo, e com uma visão abrangente e de futuro, é hoje nosso convidado para falar, segundo a sua perspectiva, sobre o desenvolvimento da região, assim como da interacção entre o IPB e a comunidade empresarial.
A criação de emprego é fundamental para a fixação de pessoas no nosso território. A diminuição da população apresenta-se como um dos principais desafios que teremos, conjuntamente, de ultrapassar. Neste sentido, a combinação do investimento privado e do investimento público torna-se imprescindível. Importará não recorrermos a discursos e posições derrotistas, mas antes assumirmos as nossas capacidades e reclamarmos por ações que nos ajudem a potenciar as boas condições que temos.
Na sua opinião, qual é o papel que o Instituto Politécnico de Beja deve assumir dentro de uma estratégia de desenvolvimento regional do Alentejo e do distrito de Beja, em particular?
Todos tiraremos proveito de um IPBeja forte, participativo, interventivo, solidário e consciente do seu posicionamento. Como? (i) Recorrendo às suas atuais competências e promovendo o seu crescimento e desenvolvimento no contexto do ensino superior nacional. (ii) Aperfeiçoando a sua notoriedade ao colocar em prática uma estratégia com ações de divulgação dos cursos e dos resultados dos projetos realizados, levando-os ao conhecimento da comunidade, fortalecendo a imagem e capacidade de comunicação. (iii) Proporcionando condições mais adequadas à realidade atual do ensino superior politécnico que permitam o desenvolvimento de atividades de investigação, marcadas pela inovação e pelo empreendedorismo, preferencialmente em colaboração com outras instituições de ensino superior e com a comunidade exterior. (iv) Otimizando a capacidade de captação de novos alunos, nacionais e internacionais, assim como a resposta às solicitações da sociedade em geral. O IPBeja tem previsto no plano estratégico para 2018 um conjunto de ações em estreita ligação com os municípios, entidades e empresas da região que contribuirão no terreno para essa estratégia de desenvolvimento regional. Temos presentes políticas orientadas para a internacionalização, para a investigação aplicada, para as questões sociais, para os estudantes e para as nossas ofertas formativas. O IPBeja é uma instituição de ensino superior que está implicada em todas as dimensões que enquadram a sua missão.
Tem-se apontado, inúmeras vezes, para a necessidade de o IPB dialogar e trabalhar mais com as empresas da região. No seu entendimento, essa relação entre as empresas e o universo do conhecimento está de boa saúde, ou é claramente uma relação que precisa ser mais aprofundada?
A ligação efetiva à comunidade envolvente deverá ser traduzida através da resposta a necessidades e objetivos específicos da região, do setor empresarial, social e cultural. Deste modo, o papel do IPBeja sairá valorizado e reconhecido e daí poderão resultar propostas de eventuais novas ofertas formativas, reforço de parcerias para o conhecimento e novos projetos de I&D baseados na prática. Urge reforçar a visibilidade das atividades, projetos, prestações de serviço e investigação que são realizados por muitas estruturas do IPBeja com e para as entidades regionais.
O IPBeja tem desenvolvido um esforço no sentido de institucionalizar o trabalho em rede e as parcerias regionais, nacionais e internacionais. Importa, neste âmbito, destacar a aproximação às escolas de ensino secundário e profissional, às autarquias, às organizações de produtores e associações setoriais, às incubadoras, empresas e associações de desenvolvimento local.
As relações entre as entidades regionais podem e devem ser sempre melhoradas e aprofundadas. Procuraremos manter com a comunidade envolvente um relacionamento descomplexado, no sentido de criar pontes e encontrar soluções para problemas comuns. No planeamento a médio / longo prazo não poderemos deixar de ter em conta algumas realidades como sejam o contexto demográfico e socioeconómico, a profunda alteração introduzida pelo regadio e a importância da agricultura no Alentejo, a crescente procura turística e a enorme carência nacional e internacional, por exemplo, ao nível das profissões associadas às tecnologias de informação e comunicação.
É meu, nosso, objetivo contribuir para ter um IPBeja com a região e um IPBeja para além da região!
Existem já bons exemplos dessa cooperação entre o IPB e as empresas locais?
Existem inúmeros exemplos e casos de sucesso da cooperação entre o IPBeja e as empresas e instituições regionais, por exemplo, ao nível da prestação de serviços, participação conjunta em projetos, consultoria, estágios, utilização de equipamentos e laboratórios, entre outros. Esta colaboração assenta em diversos domínios do conhecimento, no âmbito das áreas técnicas e científicas que o IPBeja apresenta. Correria o risco de ser excessivamente exaustivo ao listar todos os bons exemplos ao nível desta cooperação e, ao mesmo tempo, de poder deixar alguns de fora.
Vivemos numa região predominantemente agrícola, sendo que este é um setor que vive um período de grande dinamismo no nosso distrito. Esse "novo" interesse pela "terra" teve impacto no número de estudantes que ingressam nas licenciaturas da Escola Superior Agrária de Beja?
Não terá tido ainda o impacto que todos desejamos e que pretendemos atingir, mas queremos potenciar esta atenção sentida no setor agrícola para conseguirmos um novo impulso na captação de estudantes e na oferta formativa nesta área. O posicionamento geográfico do IPBeja no contexto nacional implica, necessariamente, um investimento e atuação permanentes nos setores agrícola e agro-alimentar. O IPBeja apresenta nestas áreas excelentes resultados, com parcerias consistentes e de elevado nível técnico e científico. A Escola Superior Agrária, o Centro de Exploração Agrícola, o Centro de Experimentação Agrícola e o Centro Hortofrutícola, do IPBeja, realizam prestações de serviços, instalação e colheita de ensaios de campo e consultoria agrícola, de grande valia e reconhecimento pelas associações e agricultores da região.
Considera adequada a actual oferta formativa da ESA (Escola Superior Agrária), à realidade da região, onde as alterações das características das explorações agrícolas, provenientes da grande diversificação de culturas “trazidas” pela implementação do projecto Alqueva, são cada vez mais exigentes?
Os cursos lecionados no IPBeja gozam, na sua maioria, de reconhecimento e notoriedade junto das entidades empregadoras. Existe o cuidado de atualização dos planos de estudo, ajustando-os à natural evolução social, tecnológica e científica vivida na sociedade. A acreditação da A3ES confere-lhes a marca de qualidade e é um garante para qualquer candidato na hora de escolher o curso e a respetiva instituição de ensino superior.
Também neste domínio teremos de alcançar o equilíbrio entre a evolução do mercado e das necessidades que vamos vivendo e sentindo “lá fora”, com os exigentes percursos de qualificação e especialização dos nossos técnicos, docentes e investigadores. A alteração da oferta formativa nem sempre é possível de forma tão rápida quanto seria desejável. São exigentes as condições e requisitos definidos pela A3ES - Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior - para a autorização de funcionamento de novos cursos. Não significa isto que não devamos estar atentos e procurar ir ao encontro das novas realidades, mas sempre com a garantia de qualidade nos procedimentos.
O IPBeja tem, em todas as suas escolas e departamentos, uma oferta formativa estabilizada, uma grande capacidade de investigação em várias áreas científicas e um corpo docente qualificado. Disponibiliza, atualmente, 17 CTeSPs, 14 Licenciaturas e 13 Mestrados. Procura-se que a oferta formativa seja construída de forma a permitir aos estudantes o prosseguimento dos estudos, o que acontece na maioria das áreas de formação. Assim, a partir de um CTeSP será possível ingressar numa licenciatura e, posteriormente, frequentar um mestrado na área.
Naturalmente que queremos sempre fazer mais e melhor e por isso o reforço nas atividades de investigação e desenvolvimento é um dos eixos da estratégia do IPBeja para os próximos anos.
Um trabalho já muito elogiado é aquele que se desenvolve através do CEBAL - Centro de Biotecnologia Agrícola e Agro-Alimentar do Alentejo. Aqui, a transferência de conhecimento para o sector privado parece acontecer a um ritmo interessante. Pode falar-nos dessa relação do CEBAL com as empresas e com os agricultores?
Apesar de estar localizado nas instalações do IPBeja, o CEBAL é uma unidade autónoma, de investigação e desenvolvimento privada, sem fins lucrativos. Conforme pode ser consultado no resptivo site, “desenvolve relevante atividade na identificação e o desenvolvimento de novas oportunidades que possam ser aplicáveis à região nomeadamente nas áreas da produção vegetal, na produção animal, no processamento e melhoria dos produtos agrícolas e alimentares, na implementação de processos que permitam a obtenção de valor acrescentado a partir de sub-produtos e resíduos e na pesquisa de formas de valorização de matérias-primas tradicionais”.
O IPBeja participa na Direção do CEBAL, disponibiliza condições de funcionamento e mantém cooperação científica através da participação em projetos e atividades de investigação comuns.
Na sua tomada de posse declarou que uma das prioridades desta nova Direcção passa pelo aumento significativo do número de estudantes que frequentam os cursos oferecidos pelas diversas escolas do IPB. Está neste momento a decorrer uma primeira experiência de ensino no sector aeronáutico, através do Curso Inicial de Tripulantes de Cabine. Pode explicar-nos exactamente como nasceu esta ideia de cooperação entre o IPB e a G Air Training?
A exploração do cluster da aeronáutica foi um dos propósitos que apresentei quando da minha candidatura à presidência do IPBeja. Por outro lado, a proximidade de uma infraestrutura como o Aeroporto de Beja é motivo suficiente para que não possamos ficar alheios à possibilidade de também darmos, por via da nossa missão e no respeito das formações e especializações do nosso atual capital humano, um contributo para a sua exploração. Foi por isso que procurámos esta parceria com a GAir. Não sendo fácil contabilizar o número e os principais indicadores económicos das empresas em Portugal que desenvolvem atividade em torno do setor da aeronáutica, ninguém tem dúvidas da importância que esta indústria assume nas regiões em que se instala.
Qual foi a recepção do público a esta nova oferta formativa?
Foi boa, a formação realizou-se conforme previsto e com um elevado número de formandos. O curso de Pessoal Navegante de Cabina resultou da parceria IPBeja / GAir Training / Orbest, a parte teórica teve lugar no IPBeja e a componente prática nos Açores. Contou com estudantes do IPBeja, de outros pontos do País e até do estrangeiro. Existe a possibilidade de dentro de pouco tempo realizarmos uma nova edição deste curso. Trata-se de um curso breve sem atribuição de grau académico.
Acredita que a aposta formativa no sector aeronáutico não vai ficar por esta experiência? Que outras formações/cursos poderão vir a ser ministrados a curto/médio prazo?
Queremos fortalecer a ligação com as empresas aeronáuticas e caminhar no sentido de responder às necessidades de emprego qualificado. Apostamos na qualificação dos nossos estudantes para o emprego em setores de grande procura, aproveitando a existência e proximidade ao Aeroporto de Beja e à cidade de Évora onde estão instaladas algumas importantes empresas ligadas ao setor. Estamos interessados e disponíveis em aprofundar ofertas formativas, em parceria com o IPSetúbal, IPPortalegre, IPCastelo Branco e instituições europeias.
Temos consciência de que estamos a falar de um setor muito exigente, tanto a nível tecnológico como a nível de qualificação empresarial e pessoal. A necessidade de tecnologia avançada, de infraestruturas adequadas e de mão-de-obra altamente qualificada, são requisitos fundamentais para alcançar sucesso e reconhecimento internacional nesta área.
Neste contexto, o IPBeja assume as suas limitações, mas também as suas potencialidades e responsabilidades, estando por isso interessado e disponível para, em conjunto e aproveitando as sinergias existentes, contribuir para o aproveitamento e desenvolvimento desta importante infra-estrutura que poderá potenciar um cluster regional, com impacto nacional e internacional.
Importa não só consolidar o reconhecimento e afirmação das áreas lecionadas no IPBeja, mas também abrir espaço para equacionar a oportunidade de expandir a oferta formativa a novas áreas, como por exemplo, o setor da aeronáutica já referido, o setor mineiro, a agricultura de precisão, entre outras.
Considera que o desenvolvimento da região poderá passar por uma conjugação de investimentos privados em áreas específicas, embora o investimento público seja essencial para criar condições de fixação de populações e bons profissionais?
Sem dúvida. A criação de emprego é fundamental para a fixação de pessoas no nosso território. A diminuição da população apresenta-se como uma dos principais desafios que teremos, conjuntamente, de ultrapassar. Neste sentido, a combinação do investimento privado e do investimento público torna-se imprescindível. Importará não recorrermos a discursos e posições derrotistas, mas antes assumirmos as nossas capacidades e reclamarmos por ações que nos ajudem a potenciar as boas condições que temos. Só para dar um exemplo flagrante que todos conhecemos e sentimos, é urgente conseguirmos o investimento necessário na ferrovia entre Beja e Casa Branca que nos proporcione uma ligação rápida, segura e fiável a Lisboa.
Lembro que a decisão sobre a localização dos institutos superiores politécnicos em Portugal assentou numa lógica de “compromisso territorial” que permitisse cobrir também as regiões do interior de baixa densidade populacional.
Supondo que era abordado por uma grande empresa que pretende fixar-se na região, quais seriam os pontos chave que iria referir para convencer esses investidores de que Beja vale a pena?
Novos e elevados investimentos na fileira das agro-indústrias. Expansão do regadio a grandes zonas do Alentejo. Consolidação de muitas empresas agrícolas. Novas acessibilidades e infra-estruturas disponíveis. Crescimento do turismo. Existência de boas condições “para se viver” na cidade de Beja. Cidade segura que oferece boas infra-estruturas sociais, culturais e desportivas e uma boa qualidade ambiental e do clima. Existência de recursos humanos qualificados, materiais e equipamentos disponíveis, que podem apoiar a instalação de novos negócios. Existência do Aeroporto de Beja. Bom posicionamento no eixo Lisboa – Algarve – Espanha. Cidade com potencialidade para crescer. Possibilidade de candidatura a fundos estruturais.