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Hall Paxis

Integrada na rede nacional Hall, esta imobiliária atua em todo o distrito de Beja.

Hall Paxis

Integrada na rede nacional Hall, esta imobiliária atua em todo o distrito de Beja.

"Investir no maior ativo de um território, na capacitação das pessoas que aqui habitam para um Alentejo empreendedor"

Márcio Guerra é um nome que imediatamente relacionamos com empreendedorismo social, inovação e pensamento "fora da caixa". Profundamente comprometido com causas sociais, é acérrimo defensor dos Direitos Humanos, tendo a maior parte da sua actividade como base as pessoas e as suas condições de vida. Uma entrevista que nos faz pensar e refletir e que, de alguma forma, inspira algo daquilo que é a obrigação social de todos e de cada um de nós, enquanto cidadãos e enquanto empreendedores. 

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 Todo mundo nasce empreendedor. Alguns tem a chance de libertar essa potencial. Outros nunca vão ter a chance ou nunca souberam que tinham essa capacidade.
Muhammad Yunus





Criar e maximizar valor social é o principal objectivo do empreendedorismo social. Atendendo à realidade da nossa região, que transformações urgentes e prioritárias considera serem passíveis de implementação, numa óptica de interação e simbiose com outras vertentes do empreendedorismo (corporativo e start-ups), no sentido do desenvolvimento sustentável?

Partindo do conceito de que o empreendedor social redesenha relações entre comunidade, governo e setor privado, com base no modelo de parcerias e que o resultado final desejado é sempre a promoção da qualidade de vida social, cultural, económica e ambiental sob a ótica da sustentabilidade dos territórios, eu diria que o empreendedor social pode desempenhar um papel fundamental na criação de um ecossistema com preocupações sociais através da sua relação com empreendedores corporativos e empreendedores de “start – ups” sensibilizando-os para modelos de negócio sustentáveis, amigos do ambiente e do “homem”.

As relações entre comunidade, governo e setor privado não significa que haja uma retirada do estado no que à economia e definição de políticas públicas diz respeito, ou seja a fragilidade das respostas públicas até pode fazer com que a sociedade civil se organize e crie associações com respostas inovadoras, mas a verdade é que deve ser o estado (governo e autarquias) a garantir determinados serviços e investimentos públicos fundamentais para o desenvolvimento das regiões e do país, procurando estimular um espirito empreendedor em que a lógica de parceria múltipla, possa fomentar uma maior participação de empresas privadas, como forma mais reprodutiva de utilizar recursos.

Aliás o pensamento de que menos estado, nos leva a melhor estado e a abordagem da inovação social que aparece sempre em períodos de pós-crise social restringindo-se à procura de respostas para questões sociais novas quando na realidade se vive uma harmonização social no retrocesso e se transporta o conceito de inovação social para noções de subsistência deve-nos alertar para este perigo. O que acontece com a destruição do Estado Social é que se despojam as pessoas dos seus direitos de cidadania num quadro em que são colocadas em situações de carência extrema, e assim a inovação não pode ser senão uma inovação regressiva, construída a partir de bases sociais de desigualdade, injustiça e exclusão. Quando se permite que a sociedade "propositadamente empobreça” e depois se arranja maneira de colmatar essas carências, estão-se a matar as verdadeiras condições para inovar, porque a inovação social que é precisa é a inerente à cidadania social, é a das pessoas portadoras de direitos e responsabilidades e que sejam estimuladas a libertar o seu espirito criativo e empreendedor.

Assim o que é necessário para que haja verdadeiramente inovação e ocorram as transformações na nossa região é a de que esta relação e trabalho em rede resulte em parcerias entre o sector público e privado de forma a ultrapassar em conjunto os vários desafios que temos na nossa região em virtude de um crescimento que nos vai mostrando que, se não se colocar a pessoa no centro da intervenção ao invés da economia, vão surgir desigualdades sociais.

Sabemos que, em muitas situações, há efetiva necessidade de aumentar a produção, de crescer; mas não é qualquer crescimento, nem o crescimento em qualquer parte, ou a qualquer preço, que gera desenvolvimento.

Assim e não descurando o importante impacto que Alqueva teve no Baixo Alentejo particularmente em termos económicos, contudo, o modelo associado ao desenvolvimento do projeto estimulou a concentração da propriedade; aumentou as preocupações ambientais e a destruição do património cultural. Não promoveu o povoamento, não reduziu o desemprego, sendo o trabalho feito com recurso a mão-de-obra barata de imigrantes, e algumas vezes ilegais (só em 2017 foram mais de 10.000 imigrantes nesta situação); e não dinamizou substancialmente as economias locais, a não ser alguma empresa de fornecimento de serviços e equipamentos de regadio.

Este modelo coloca em evidência uma exploração assente num crescimento económico (em que as opções orientam-se para um crescimento elevado do PIB per capita), gerando desigualdades sociais no território ao invés de um desenvolvimento sustentável da nossa região no plano humano, ambiental e social.

Assim o que é verdadeiramente necessário é a inovação numa agricultura inclusiva diversificada, amiga do ambiente e do património arqueológico, em que o sector privado da agricultura assuma a sua parte na criação de um modelo económico verdadeiramente orientado para o desenvolvimento regional e para a coesão social e territorial. Que invista na responsabilidade social e através de parcerias públicas e privadas possam criar condições para combater a imigração ilegal e clandestina, apoiando na constituição de gabinetes de atendimento e acompanhamento ao imigrante que possam dar formação a estas pessoas na língua portuguesa, na nossa cultura, direitos e legislação, combatendo desta forma o tráfico e a rede ilegal de mão-de-obra. Que invista em projetos que preservem o património arqueológico e promovam roteiros turísticos para a sua visita e para a observação da apanha da azeitona e da transformação do azeite. Projetos de sensibilização ambiental e de capacitação dos seus colaboradores com vista á implementação de boas práticas.   

O que é verdadeiramente necessário é a inovação num turismo diferenciador, inclusivo e acessível a pessoas com mobilidade reduzida parcial ou total, de acesso a pessoas invisuais ou com problemas de surdez. Se é verdade que em 2017 o Alentejo recebeu a visita de 65. 388 Turistas representando um aumento de 11% comparativamente ao ano de 2016, não é menos verdade de que mais de mil milhões de pessoas no mundo vivem com algum tipo de incapacidade, dos quais cerca de 200 milhões experiencia dificuldades notáveis em termos de funcionamento. Nos próximos anos, a deficiência e a incapacidade serão uma preocupação ainda maior pois a sua prevalência está a aumentar, devido ao envelhecimento da população e ao maior risco de incapacidade na população sénior, bem como ao aumento global das doenças crónicas. Em Portugal, em 2011, aproximadamente 40,5% das pessoas entre os 15 e os 64 anos tinham pelo menos um problema de saúde ou doença prolongados e 17,4% tinham pelo menos uma dificuldade na realização de atividades básicas (INE, 2011).

Para pensar nestas e noutras transformações para o nosso território é necessária a criação de um ecossistema de empreendedores no Baixo Alentejo com preocupações no plano do desenvolvimento sustentável.

Portugal tem hoje um dos mais vibrantes ecossistemas de empreendedorismo da Europa mas será que o Alentejo e o Baixo Alentejo em particular, à sua dimensão pode também entrar num roteiro empreendedor nacional ou internacional, apanhando a “boleia” deste bom momento nacional e ser diferenciador na forma como o dinamiza?
O que temos de fazer ao nível das políticas locais e regionais, das estruturas de apoio, do financiamento, da cultura empreendedora e do capital humano para que tenhamos um ecossistema mais vibrante e humanista? Quais são os principais desafios e que passos devemos dar?

Estas são perguntas e desafios que passam naturalmente por criar um ecossistema de empreendedores. Um movimento social diversificado que congregue paixão, conhecimento, iniciativa, resiliência e transformação, que crie valor e promove a autorrealização do individuo, oferecendo a resposta a muitos problemas societais e/ou supre simplesmente necessidades de mercado.

 

Sabemos que são muitos os desafios sociais atualmente existentes. Desafios esses que, na maioria das vezes, encontram espaço em determinadas organizações, cujo eixo de actividade permite o seu trabalho, levando à mudança efetiva. As associações, as organizações e as instituições particulares de solidariedade social são as estruturas mais frequentes. Fale-nos um pouco sobre o papel das associações e da importância de exercer, hoje em dia, o associativismo.

 

Devemos ter sempre presente de que pela sua própria natureza, o Homem tem necessidade vital de se relacionar com o outro, de criar laços de cooperação e de entreajuda, de desenvolver projetos comunitários, de trocar experiências, de viver e de conviver com as pessoas que vivem junto de si ou nas suas proximidades. Sempre assim foi e sempre assim será

Falar sobre o papel das associações hoje em dia, é termos a consciência de que alguns dos direitos consagrados na Constituição da República emanam deste importante movimento social, uma vez que o mesmo está intimamente ligado às principais transformações sociais, e política, verificadas com o advento do liberalismo, das ideias propagadas pela Revolução Francesa e pelo surgimento da Revolução Industrial.

De forma natural e dado que o Associativismo é uma emanação da sociedade é óbvio que a evolução da mesma “obriga” a ajustamento e ao aparecimento de novas formas, foi o que aconteceu com o 25 de Abril de 1974, pelo que e de acordo com a Confederação Portuguesa das colectividades de cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD): “Cerca de metade das associações que hoje temos em Portugal decorrem do 25 de Abril de 1974, a par do substancial aumento do número de associações, mais dois factos se verificaram: as coletividades mais “clássicas” diversificaram em muito as suas atividades e por outro lado, emergiram ou reforçaram-se outros tipos de associativismo: de defesa (património, consumidores, à vítima, etc.); movimento de moradores; juvenil e estudantes; ambiente e ecologia; de pais e da família, pessoa com deficiência etc. Mais tarde, na década de oitenta do século XX: as IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) e ADL (Associações de Desenvolvimento Local).”

Se no passado o associativismo teve o seu “berço” na Revolução Industrial, hoje estamos na Era da Informação e do Conhecimento pelo que é fundamental que se coloque este vasto património ao serviço da sociedade atual, dai que a importância de exercer um papel ativo enquanto dirigente associativo é fundamental tanto mais que ainda é nas associações que os jovens de hoje podem exprimir a solidariedade, experimentar novas respostas, agirem como fator de transformação e inovação social ao elaborar e concretizar um projeto comum de carácter coletivo e de raiz social. Valorizarem-se enquanto pessoas através do trabalho voluntário e benévolo como pilar estruturante da economia social, assumindo o exercício da democracia conduzindo a uma efetiva cidadania.  

Em suma participar no associativismo é ter uma vida autenticamente humana, uma vida verdadeiramente feliz.

 

 

Em Beja, que Associações com um papel preponderante a nível social existem, quais as suas missões e as principais dificuldades que enfrentam?

Qual é a percentagem de participação dos jovens nestas entidades e quais são as suas principais preocupações?

 

No concelho de Beja existem cerca de 300 associações equiparadas a coletividades de cultura, recreio e desporto, instituições particulares de solidariedade social, associações juvenis, estudantis, ambientais e de defesa do património, entre outras denominações, que têm um importante papel na dinamização de um conjunto de iniciativas e projetos nas mais diferentes áreas de atuação, quer ao nível, educacional, cultural, desportivo, social e ambiental.

De uma forma geral a missão passa em primeiro lugar por um importante contributo na prestação de serviços aos seus associados e à comunidade de uma forma geral no acesso à cultura, à atividade física, ao recreio e ocupação dos tempos livres de centenas de crianças. Por outro lado procuram contribuir de forma consensual, para o debate na esfera pública, trazendo contributos para a deliberação de políticas públicas importantes para o nosso concelho. 

Se não há dúvida que este movimento que atua no chamado terceiro sector tem auferido uma maior visibilidade na sociedade portuguesa e no nosso distrito em particular, também não é menos verdade que esse protagonismo (seja junto do Estado, da sociedade civil, ou ainda dos meios de comunicação social) parece recair sobretudo sobre a ação das IPSS’s e de outras Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD).

Este fator prende-se pelo facto de vivemos num distrito e num concelho em que a maioria da população é envelhecida e dai que as associações e instituições de cariz social tenham um peso relevante na nossa comunidade. Reflexo desta realidade é o facto de só na Rede Social do Concelho de Beja, estarem representadas mais de uma centena de entidades e associações que trabalham sobretudo neste sector possuindo uma grande importância ao nível da provisão de serviços sociais através do estabelecimento de acordos de gestão e de cooperação com o Instituto da Segurança Social.  

As dificuldades com que este importante movimento social se depara são diversas porque estamos a falar de um movimento associativo que por um lado é composto na sua maioria por trabalhadores por conta de outrem e que após o seu trabalho se dedicam de forma voluntária aos objetivos da sua associação o que nem sempre garante estabilidade na ação, por outro lado estamos perante uma vasta rede de intervenção cívica nas diversas vertentes, em especial nos domínios cultural, desportivo, recreativo e social que presta um verdadeiro serviço público. Muito simplesmente, se não forem as associações a fazer o trabalho que fazem – isto é, a desempenhar as funções sociais que desempenham – quem o fará? E caso esse trabalho não seja feito, que consequências acarretará essa situação em termos sociais?

Assim e pela minha experiência enquanto dirigente associativo apontaria seis (6) grandes preocupações, entre outras que haverá, sobre as dificuldades que este movimento sente:

1 - O necessário e devido reconhecimento por parte do governo e dos poderes públicos da importância social do associativismo nomeadamente quanto às políticas de apoio para a construção de infraestruturas e aquisição de equipamentos2 – Não existem mecanismos adequados de incentivo ao dirigismo associativo popular, nomeadamente um Estatuto Social do Dirigente, que alargue o recrutamento e permita a necessária renovação das lideranças nas associações. 3 – Constata-se a falta de oferta de programas de formação adequados às necessidades de qualificação de recursos humanos destas estruturas. 4 – Existe um défice de comunicação das associações com os seus públicos interno (associados, atletas, colaboradores e demais intervenientes internos) e externo (população em geral). 5 – No plano autárquico, faz falta um Gabinete de Apoio ao Movimento Associativo (GAMA) que trabalhe e articule com os dirigentes associativos do concelho, com o IPDJ e outras entidades na definição de uma estratégia de atuação municipal nesta área. 6 – Promoção de uma rede formal, que promova conhecimentos, partilha de experiências e boas práticas deste importante movimento um pouco por todo o concelho e região, que possa em conjunto trabalhar possíveis fundos comunitários com particular enfoque para as questões do empreendedorismo social e da economia social e solidária.  

Sobre a participação dos jovens neste movimento e apesar de Portugal dispor de uma legislação própria que enquadra o movimento associativo juvenil através da Lei n.º 23/2006, de 23 de Junho, estabelecendo o regime jurídico do associativismo, esta participação apresenta assimetrias no quadro da região Alentejo.  

No plano nacional e à data de dezembro de 2017 estavam inscritas em Portugal Continental cerca de 1434 associações no RNAJ, sendo que no distrito de Portalegre este número é de 17 associaçõesjuvenis ou equiparadas, no distrito de Évora são 41 associações juvenis ou equiparadas e no distrito de Beja são 6 associações juvenis ou equiparadas.

Os números demonstram que no quadro da legislação em vigor e do RNAJ, o distrito de Beja apresenta um número muito baixo quando comparado com os distritos de Évora e Portalegre, contudo e apesar de não acreditar que os números possam aumentar significativamente, o mesmo não corresponde à realidade do associativismo juvenil, uma vez que muitas associações têm na sua composição jovens, com uma efetiva participação mas que por não cumprirem os critérios do artigo 3.º da lei n.º 23/2006, de 23 de Junho, que estabelece o regime jurídico do associativismo não são consideradas associações juvenis.

Quanto às preocupações dos jovens manifestadas neste movimento eu dividia em dois aspetos. O primeiro tem a ver com o motivo que os leva a formar uma associação, e nesse sentido muitas vezes falamos de questões associadas a gostos pessoais pela dança, cante alentejano, desporto, etc. O segundo aspeto prende-se com a mudança das preocupações e prioridades resultante da sua participação enquanto dirigente associativo ou associado na associação. Nesse plano as preocupações que os levaram a constituir a associação alteram e passam a assumir outras preocupações que se prendem em muitos dos casos com o seu futuro, em ser solidário, a querer participar na vida política da sua comunidade e país, em preservar o ambiente. Começa a haver um despertar de consciência social e cívica com indignação perante injustiças sociais nomeadamente a fome, a pobreza e a exclusão social e a despertá-los para a edificação do bem comum. 

 

 

“Quanto maior for o impacto das medidas, maior será a probabilidade de revolucionar o pensamento social.” Esta premissa pressupõe que para além dos efeitos imediatos, em menor escala, se pretendem resultados de maior dimensão, capazes de proliferar no tempo e no espaço. Considera que o meio onde nos inserimos limita, em parte, a capacidade de reinvenção? Que barreiras deverão ser quebradas e de que forma? Seremos nós mais resistentes à mudança, ou a ideia criada em redor do Alentejo, das suas potencialidades e das suas gentes entranhou-se de tal forma no seio da comunidade das grades zonas urbanas, que nos tornámos insignificantes e desinteressantes aos olhos do próprio país?

 

Na minha opinião e no que ao empreendedorismo social diz respeito a escala per si não é um valor relevante. Arquimedes disse um dia “Dêem-me um ponto de apoio e eu levanto a Terra”. O que pretendo dizer é que da aprendizagem de um projeto com potencial de empreendedorismo social, como por exemplo o Fit Salvador e os Heróis da Agua do concelho de Beja, a Vida Vale do concelho de Odemira, a Estratégia para o Desenvolvimento e Promoção da Fileira dos Recursos Micológicos no Baixo Alentejo de Mértola ou os Núcleos de Voluntariado de Proximidade da Fundação Eugénio de Almeida de Évora, podemos desenhar outros projetos, evitar erros futuros, replicar o modelo noutras zonas do país ou mesmo fora dele. O que importa é a qualidade, o método, a organização, os processos de trabalho, os resultados junto das pessoas e o impacto que têm na sociedade do ponto de vista social. Depois de tudo isto vem a escala dos projetos.

O progresso do empreendedorismo social em Portugal, nos últimos anos, tem sido de facto muito relevante, com alguns projetos no Alentejo e no distrito Beja particularmente que estão consideradas como iniciativas ES+, que mudaram a vida de muitas pessoas.

Muhammad Yunus, empreendedor social e prémio nobel da Paz dizia que “Todo mundo nasce empreendedor. Alguns tem a chance de libertar essa potencial. Outros nunca vão ter a chance ou nunca souberam que tinham essa capacidade.” Julgo que esta afirmação é o retrato do desafio maior que temos para reinventar o Alentejo, investir no maior ativo de um território, na capacitação das pessoas que aqui habitam para um Alentejo empreendedor.

Do ponto de vista técnico, se ensinarmos as pessoas a serem empreendedores ou o que é o empreendedorismo social, podemos não saber se vamos criar empreendedores mas sabemos que disponibilizámos para as pessoas um conjunto de ferramentas que lhes permite passar dos sonhos para as acções. E isto leva à segunda faceta do empreendedorismo: a pessoal. E esta faceta tem que ver com três ideias chave: a capacidade de questionar, a capacidade de sonhar e a vontade de fazer coisas. A capacidade de questionar leva à análise e ao aparecimento de problemas. A existência de problemas estimula a criatividade e leva ao desenvolvimento de ideias passíveis de se constituírem como soluções para os mesmos. A existência de soluções desencadeia motivação para as implementar.

Assim algumas das barreiras que deverão ser quebradas passam por dar o acesso a estudos e investigações já realizadas, nas mais variadas áreas de atividade, estreitando o percurso para conhecer a realidade do empreendedorismo social em Portugal e na região, de forma a potenciar a criação de soluções no momento certo, no lugar certo, para a pessoa certa. A falta de recursos é uma das principais razões com a qual os empreendedores se deparam, o que leva a um processo mais moroso para o desenvolvimento do empreendedorismo social, impedindo o progresso de determinados projetos, oportunidades de negócio, iniciativas, que podem servir para combater o desemprego, o abandono escolar precoce, o suicídio, a iliteracia, ou a exclusão social de pessoas com deficiência, entre tantos outros problemas.

Outro aspeto vai para além de empenho e dedicação que os empreendedores sociais demonstram, estes precisam de ser escutados, apoiados, para conseguirem atingir os seus objetivos bem como o restrito e complexo sistema de apoios comunitários que inviabiliza oportunidades de negócio, com potencial de sucesso.

Apesar de haver uma certa resistência à mudança da parte das pessoas ainda assim julgo que o peso maior tem a ver com o facto de persistirem algumas debilidades, apesar dos investimentos comunitários. Falo de constrangimentos relacionados com a regressão prolongada da demografia regional, o reduzido dinamismo do tecido empresarial, as limitações acentuadas nos sistemas e redes com potencial para atrair novos fluxos de investimento e a sustentabilidade problemática da mais-valia ambiental que não alavancam o desenvolvimento do potencial que temos e nesse particular os sucessivos governos não têm olhado para o interior de Portugal e para o nosso Alentejo da forma como deveriam olhar, com o respeito e igualdade de oportunidades que permitam re-inventar esta região, de forma a tentar minimizar o flagelo da desertificação que está a abranger todo o Alentejo.

 

 
O objectivo do empreendedorismo social passa por identificar situações de negligência ou desfavorecimento de uma determinada facção da sociedade, construindo caminhos e encontrando soluções para as causas primordiais, ao invés de se tratarem somente os sintomas através dos quais se manifestam essas carências/diferenças. Para isto, o trabalho corporativo em rede é crucial. Reunir “cabeças pensantes” capazes de capitalizar esforços e unir comunidades que se pretendem solidárias com as diferenças socias é, talvez, a base para que se consiga dar à sociedade as ferramentas necessárias para que se trabalhe a mudança.

Se lhe fossem concedidos 5 min de tempo de antena na televisão, que mensagem gostaria que transmitir que elucide com clareza o potencial de desenvolvimento da região, e a importância da conjugação de esforços nesse sentido, por forma a atraír e fixar investimento que traga mais-valias à região?


O Alentejo é uma região atrativa num contexto de afirmação de Portugal como fronteira atlântica da Europa e do "hinterland" ibérico, em particular.
A sua proximidade com Lisboa e com o Algarve, toda a orla marítima e as relações de vizinhança com a Espanha, em particular com a Extremadura e a Andaluzia, colocam o Alentejo numa posição privilegiada em termos empresariais, num quadro de articulação nacional e transnacional.

Somos uma região que conta com cinco selos da UNESCO em vários patrimónios imateriais e materiais e que tem potencialidades por valorizar, desde a junção de terra/mar, existe também uma diversidade de encantos históricos, naturais e gastronomia e vinhos, que fazem desta região única.

Tal como uma página em branco de um livro, nesta imensa planície falta escrever a sua parte, seja construtor da nossa história e invista nos encantos do Alentejo.  

"Uma marca que é preciso assumir, promover e valorizar. O Baixo Alentejo é um diamante em bruto"

"Comediante, actor, cronista, dobrador, escritor, Bejense e Sportinguista”, assim se apresenta nas redes sociais. Quem o conhece sabe da profunda paixão que nutre por Beja. Incansável na divulgação e promoção do território baixo-alentejano, interventivo e frontal, Bruno Ferreira, está hoje connosco à conversa.


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Ainda de acordo com o mesmo jornal, constata-se que o Baixo Alentejo é a terceira região mais produtiva do País, logo depois de Lisboa, com 109,5% ou seja, bem acima do todo nacional, enquanto o AA (Alto Alentejano e o Alentejo Central) se situam a meio da tabela com 92,3%, portanto abaixo do todo nacional.



Bruno, a faculdade levou-o para Lisboa e é lá que tem desenvolvido a sua vida profissional, mas Beja tem-se mantido sempre no seu coração. Ao invés de tantas outras pessoas que partem e raramente voltam, o Bruno é uma pessoa assídua na cidade e acompanha de perto o que por aqui se vai passando. Quer falar-nos um pouco sobre isso?

É verdade. Saí de Beja em 1993, com destino a Lisboa, para me licenciar em Relações Públicas e Publicidade, um curso no âmbito da comunicação, de um modo geral, mas focado na comunicação empresarial, de forma mais particular. Em boa verdade já tenho mais anos de Lisboa do que de Beja, o que faz de mim, como costumo dizer a brincar, um Lisbejense. Tive a fase normal de afastamento, como todos os jovens que saem das suas terras rumo a uma cidade grande; é o período do encantamento, do conhecimento e descoberta, de novas pessoas e novos espaços, de abrir os olhos ao mundo imbuído de novos conhecimentos académicos e vivenciais. Talvez durante os dois primeiros anos tenha vivido Lisboa, e todas as suas ofertas boémias, culturais, relacionais, etc., de uma forma muito intensa. Depois de 19 anos de idade, e de Beja, e olhando a esta distância, imagino que sentisse essa necessidade de afastamento naquele momento concreto. E o afastamento tem sempre um lado bom. Que é o do reencontro. Sem afastamento não nos toca a saudade, não sentimos as nossas faltas, sejam elas afectivas, ou meramente olfactivas ou visuais. Quem pode esquecer a silhueta do mais belo Castelo do mundo? Ou o perfume de uma tarde de Primavera? E foi rigorosamente isso que aconteceu. Soube-me tão bem esse afastamento quanto o prazer que me deu a reaproximação à minha cidade. Apesar de continuar a viver em Lisboa mantenho o coração irremediavelmente refém da minha cidade de Beja.


Todas as pessoas têm conhecimento que o Bruno é um dos fundadores e mentores do Movimento Bejamerece+, criado há alguns anos, na defesa das acessibilidades a Beja. Neste momento o Movimento ganhou novo fôlego, está mais dinâmico e tem maior visibilidade, preocupando-se agora com outros aspectos que não são já apenas o comboio e a auto-estrada. Considera que a globalidade dos temas, actualmente defendidos pelo movimento, poderá só por si ter suficiente força reivindicativa junto do poder?

Permita-me uma correcção: não estive no início do Movimento Beja Merece. Este movimento surgiu em 2011, encabeçado por várias pessoas de Beja, bastante activas na luta pelo comboio e pela linha ferroviária do Alentejo. Estamos a falar de gente como o professor Florival Baiôa, o António José Barahona, o José Filipe Murteira, ou o Jorge Serafim. Nesse período apenas colaborei em acções pontuais como, por exemplo, o espectáculo no Pax Julia.

Não sei dizer ao certo quando, ou como me tornei mais pró-activo dentro do Movimento. Creio que terá sido no fim de 2016. Apaixonei-me pela causa e aproximei-me das pessoas mais activas, neste caso do Florival Baiôa por quem nutro uma estima, amizade, e admiração incomensuráveis. Nesse início de vida o Movimento esteve bastante activo, juntando uma significativa fatia da população de Beja. Depois, como quase todas as coisas de uma forma geral, e os movimentos de cidadãos em particular, houve um período de acalmia, sobretudo depois da Petição Pública experimentada nessa altura não ter obtido os resultados desejados na Casa da Democracia. Mas a semente continuou no espírito das gentes até porque, infelizmente, cada vez foram surgindo mais motivos para que as pessoas se indignassem, se revoltassem e quisessem arregaçar as mangas e participar, de forma livre, numa luta independente por uma Beja e um Baixo Alentejo diferentes, com qualidade de vida e justamente mais desenvolvidos. E por isso o Movimento renasceu. As pessoas voltaram a juntar-se, e a essas outras mais. Como que para marcar este seu segundo fôlego, ao Movimento Beja Merece foi acrescentado um Mais (+), em 2017.

Paralelamente as causas evoluíram para todo o Baixo Alentejo e saltaram dos carris do comboio para o asfalto das estradas, as asas do Aeroporto e a saúde do Hospital. Isto tornou o Movimento mais robusto, com maior amplitude quer de interesses, quer na sua geografia. Actualmente há muita gente a trabalhar com o Movimento. Paradigmática foi a Reunião Magna levada a cabo no Teatro Pax Julia, em Beja, no fim de 2017, que juntou quase seis centenas de pessoas de todos os quadrantes políticos, ideológicos e proveniências sociais. Fazendo do BMM um caso modelo a nível nacional. Em votação esteve uma decisão à partida polémica, mas que acabou por ter uma votação expressiva: o Movimento de Cidadãos não iria ser transformado numa Associação, com personalidade jurídica e estatutos formais. O BMM permanece da forma mais genuína possível, não organizada, (o que também não implica ser desorganizado), e suprapartidário, ou seja, colocando-se acima dos partidos políticos, mas contando com a intervenção destes na defesa conjunta de objectivos comuns. De notar que mesmo os que estiveram contra a moção vencedora nunca deixaram de colaborar ou apoiar o Movimento.

Relativamente às razões de pedir que consubstanciaram a Petição Beja Merece Mais, que está agora na sua fase de recolha, teremos primeiramente de aguardar pela contagem de assinaturas. Que terá tido uma participação massiva é já uma certeza. Centenas de pessoas mobilizaram-se pelo Baixo Alentejo, mas também pelo Algarve, Lisboa, Ribatejo, Margem Sul, Norte do País, e em várias comunidades de emigrantes, com o fim de divulgar e partilhar a petição, ajudando de todas as formas na recolha de assinaturas.

Resta agora saber se o desiderato das 20.000 assinaturas foi alcançado. Se assim for abrem-se portas novas e caminhos ainda não trilhados. E daí poderá surgir o sucesso. Com mais de 20.000 assinantes, a petição passa a poder ser acompanhada de propostas de recomendação ao governo - projectos de resolução - no mesmo sentido das que a petição avançou. Os projectos de resolução podem ser apresentados por um ou mais partidos, que poderão agendá-los para a mesma data do debate da petição no plenário da AR. No caso de não alcançarmos as 20.000 assinaturas será, sempre, uma petição com um resultado robusto. Mas que que se arrisca a não produzir os efeitos esperados. Contudo, e em caso afirmativo, segue-se uma interessante negociação política com todos os partidos representados na AR. Nesse momento saberemos quem está, e quem não está, com o Baixo Alentejo. E que partidos têm o interesse de reabilitar definitivamente toda uma região carenciada e abandonada. Mas ainda falta algum tempo até termos todas essas respostas.


O Baixo-Alentejo está em transformação e constitui, hoje, uma região de oportunidade para investir, quer ao nível do sector agro-alimentar, quer das indústrias daí decorrentes, do turismo e, mais recentemente, da aeronáutica. Face a este potencial de desenvolvimento, com um interesse crescente por parte de investidores privados, que reflexão faz em relação a dois momentos: o hoje, e o futuro?

Nestas matérias sou doentiamente optimista. Desta forma não consigo acreditar que na Cidade, Concelho e Distrito de Beja, e no Baixo Alentejo, o amanhã não seja melhor do que o hoje. Em bom rigor podemos notar que tudo o que já foi feito, bem como o que está a ser levado a cabo noutras paragens, regiões e distritos nacionais, quase nem começou, ainda, em Beja e no Baixo Alentejo. Apesar de isso, só por si, ser altamente injusto, por outro lado, significa que as oportunidades estão ainda quase intactas. Basta reverter as carências em ensejos, as faltas em oportunidades, o abandono em investimento. Para o crescimento sustentado de uma comunidade que fica distante dos grandes centros de decisão, como é Beja e o Baixo Alentejo, é necessário que o investimento seja equilibrado entre o que é público e o que provém da iniciativa privada. E, neste momento, precisamos com urgência de investimentos de ambas as proveniências.

Veja-se a saúde, por exemplo: o Estado tem o dever de proteger os cidadãos nesta matéria, oferecendo-lhes o direito à saúde. Existe - ainda que depauperado - mas existe um Serviço Nacional de Saúde. Existe uma rede de hospitais (desde há tempos dividida em regiões e sub-regiões de saúde, numa espécie de decalque de um mapa de regiões já rejeitado pelo País, mas já lá vamos), munidos de cuidados integrados de saúde, nomeadamente a promoção e vigilância, a prevenção da doença, o diagnóstico e tratamento dos doentes e a reabilitação médica e social.

Pergunto se esta teia de serviços existe e funciona no Hospital e Beja, ou nos demais do Baixo Alentejo. Não. Desta forma o Estado está em falta. O que não quer dizer que em Beja não devêssemos, ou pudéssemos ter um hospital privado. Não com o objectivo de prestar o serviço que o Estado não presta, só de per si. Até porque a saúde, enquanto sector, não pode ser privada, logo paga, em Portugal. Mas no caso específico de Beja, uma saúde privada pode e deve servir de alternativa, e só alternativa, para quem tem condições económicas para a poder pagar; para os titulares de seguros que podem alternar idas ao público com o privado, sendo que acabaria por colmatar inúmeras falhas, ao mesmo tempo que libertava espaço de atendimento no serviço público. E que traria para Beja mais quadros de saúde, médicos e enfermeiros, abriria vagas de trabalho em inúmeros sectores, como secretariado, segurança, construção/manutenção, serviços, fazendo funcionar a economia e oferecendo maior bem-estar e segurança à região. Sem esquecer que também o turismo se faz, cada vez mais, em função da existência de serviços de saúde consistentes e próximos. Já para não falar de sectores como a indústria, que envolvem muitas vezes riscos para a saúde que podem ser minorados com serviços de qualidade de proximidade. Mas atenção: nunca como substituição das obrigações do Estado.

No que toca ao sector agro-alimentar e industrial, é vital que também aqui a iniciativa privada se instale na região, criando riqueza, postos de trabalho, pagando impostos e dando corpo e poder a um sector que está, nesta fase, quase moribundo. Já existem alguns exemplos, como a Fair Fruit, entre outros, que são falados há anos. Contudo se nos pusermos do lado destes investidores constatamos que para um interessado se instalar em Beja, ou na generalidade do Baixo Alentejo, faltam, ainda, um conjunto de infra-estruturas básicas como sejam as vias de comunicação. Se eu abro uma fábrica em Beja, que processe polpa de fruta ou compotas, por exemplo, terei de ter condições de transporte que assegurem que uma frota de pesados possa trazer matéria-prima, ou outros bens, e levar a produção da fábrica seja para onde for. Mas como é isso possível sem comboio, sem estradas, sem IP, sem Auto-estrada, ou mesmo sem a valência aeroportuária, neste caso como interposto de cargas e descargas, ou seja, importações/exportações?

Como é possível captar investimento industrial, agro-alimentar, ou até tão só agrícola, se Beja é, neste momento, a única capital de distrito que não é servida por uma via com, pelo menos, características físicas de Itinerário Principal? Se a obra mais recente e com algum significado efectuada no corredor do IP8 (que liga o litoral atlântico à fronteira com Espanha) no distrito de Beja foi feita há cerca de 30 anos? Se na maior parte da sua extensão a via não possui sequer bermas pavimentadas, nem as larguras definidas na legislação para Itinerários Principais?

O facto de, nesta estrada - que de acordo com vários projectos e anúncios governamentais, deveria já ser a auto-estrada A-26 - circular em simultâneo tráfego agrícola significativo, elevada quantidade de tráfego de pesados de mercadorias, e o tráfego tradicional, faz com que apresente uma degradação galopante oferecendo condições altamente deficientes do ponto de vista do conforto, mas sobretudo da segurança rodoviária.

É preciso compreender que só um tecido empresarial e industrial forte terá peso e voz na exigência das infra-estruturas necessárias, e que continuam em falta no Baixo Alentejo. O sector, e tal como se encontra nos últimos anos, não consegue ter expressão suficiente para reivindicar ao Estado essas contrapartidas pela economia que gera, os empregos que cria, e os impostos que paga. Por outro lado faltam pessoas à região para levar a cabo essas mesmas reivindicações. E se o Estado não é pressionado a agir, as condições necessárias à instalação de novos projectos industriais, agrícolas e empresariais não vão acontecer. E as pessoas continuarão a partir, em busca de melhores condições de vida noutros lados. É uma relação causa-efeito que é preciso inverter e por a funcionar.

E, justamente por estas razões, podemos aqui juntar o factor do turismo, ou mesmo da tão falada criação de um Cluster Aeronáutico. Nem uma nem outra solução podem existir sem vias de comunicação. Se bem que ambas, maioritariamente, de investimento privado, ao Estado compete apenas criar condições para as deixar nascer e crescer. Tudo o que seja contrário a isto não serve para a região. E não servindo para a região, por maioria de razão, não serve ao País.

Mas estamos a tempo. Ainda é possível aproveitar o clima favorável de um certo optimismo e algum crescimento, para que o Estado cumpra o seu papel e passe a olhar para o Baixo Alentejo como uma região por explorar em variadíssimos sentidos, como económicos, sociais ou culturais. Para isso, apenas, a coisa pública, não deve estancar o investimento. Deve impulsionar, ajudar e cumprir com o seu papel democrático de justo facilitador. Eu, pelo menos, penso assim. O que não é sinónimo do Baixo Alentejo deixar de gerir a sua agenda setting a sua comunicação aos alvos certos, de acordo com as suas necessidades, no sentido que mais lhe convém, fazendo cumprir os seus objectivos. Digo isto porque, mesmo em termos de Turismo, a promoção do Baixo Alentejo não deve estar encaixada numa amálgama de regiões de turismo, o que impossibilita uma estratégia de comunicação clara, objectiva e criativa em torno da oferta real e exclusiva do Baixo Alentejo. Seria chegado o momento de investir numa comunicação independente de uma região Única. Com identidade própria. E de valor incalculável. Uma marca que é preciso assumir, promover e valorizar. O Baixo Alentejo é um diamante em bruto.


Beja é uma cidade com um património material e imaterial incrível, de onde são oriundos imensos talentos, seja na sua área, na música, na moda, na comunicação, na gastronomia, na gestão, etc. Considera que esse património com o qual crescemos poderá ter influência no percurso destes talentos? Beja será um pólo a explorar pela criatividade, já que oferece uma alma única, paz, tranquilidade e paisagens inspiradoras?

Sem dúvida. Beja tem uma identidade muito própria, uma alma que desde sempre tem sido geradora de inúmeros artistas em tantas áreas (e aqui vou poupar-me a enunciá-los, uma vez que somos muitos e poderia esquecer-me de algum). Existe um sonho que partilho com alguns amigos de Beja, e que era ver nascer na cidade uma “fábrica” de artes. Que pudesse acolher todas as manifestações artísticas. Não só aquelas que já são Património da Humanidade, ou as outras mais conhecidas, mas todas as demais. Uma escola de referência que trouxesse gente de outros países, que fosse um modelo internacional, e que levasse o nome de Beja pelo mundo fora como exemplo e forma de inspiração. Isso poderia tornar-se realidade, por exemplo, na antiga Fábrica de Moagem de Beja, perto do Parque Industrial, e que agora, com a requalificação da Rua da Lavoura, foi aproximada da cidade. Um descomunalmente elegante edifício industrial do séc. XIX, com o típico charme vintage, e a pedir desesperadamente que não o deixem cair por terra. Ou ainda na antiga Metalúrgica Bejense. Património arquitectónico e social que merece ser posto salvo e valorizado.

Sobre o edificado histórico, sabemos bem a riqueza do património material existente na cidade e concelho, desde os confins dos tempos. Uma chamada de atenção para os espólios arqueológicos de estruturas sociais milenares, que se encontram sob os barros de Beja, e que têm vindo a ser dizimados por proprietários de terrenos agrícolas, sem haver até ao momento nenhuma sanção exemplar pelos vários crimes de lesa-pátria que têm vindo a ser perpetrados. Mas bom seria, também, que se não deixassem morrer projectos arqueológicos de valor patrimonial único, como o Templo Romano, ou a Casa da Moeda, ambos na rua com o mesmo nome, no coração da cidade, e se continuasse a apostar noutros. Se existe dinheiro bem empregue é nesta forma de investir. Que valoriza a cidade, ao invés das tantas vezes preferidas obras de fachada. Só assim, mais tarde, Beja se pode afirmar como destino de um turismo cultural, informado e com poder de compra. Com vários pólos museológicos e monumentais espalhados pela cidade, um novo tipo de comércio, impulsionado por uma nova fórmula de turismo, poderia florescer. Bom seria, ainda, que de uma vez por todas, o património religioso e monumental da cidade pudesse ser visitado por turistas nacionais e estrangeiros, mas também por Baixo-alentejanos, sem se esbarrar com o nariz em portas invariavelmente fechadas. Se trancamos a riqueza dentro de quatro paredes e isolada dos nossos olhos, do nosso espírito, ficamos todos mais pobres. Porque não aprendemos com ela, não nos deixamos inspirar, não registamos nem partilhamos essa riqueza e não alimentamos o espírito. E gente pobre de espírito é gente que se torna perigosa. Porque alheia e desinteressada. Logo desistente e descrédula.


Falando de descentralização e regionalização, temas quentes no momento, será o Baixo Alentejo um território com condições para fazer face a essa regionalização?

Sim. Definitiva e obrigatoriamente. A propósito deste tema, elogio a ideia do deputado socialista eleito por Beja, Pedro do Carmo, de unificar a CIMBAL -Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo e a CIMAL - Comunidade Intermunicipal do Alentejo Litoral. A ver vamos se, de acordo com o mesmo, a questão irá ser "colocada brevemente em cima da mesa". O Baixo Alentejo só teria a ganhar com essa unificação. Apenas pelo facto de o Baixo Alentejo ser uma região com uma identidade própria. E de o Alentejo Litoral ser historicamente parte desta região até um dia ter sido alvo de uma disruptiva e contranatura divisão, ou subdivisão administrativa de um Alentejo cuja identidade tem vindo a ser espartilhada, dividida, e mutilada. No meu entender existem tão só dois Alentejos: o Alto e o Baixo. Tudo o mais não tem passado de um conjunto de experiências administrativas completamente inócuas que apenas tiveram como resultado desunir as duas regiões alentejanas e distorcer a sua identidade. Senão veja-se como é hoje, administrativamente, definido o Baixo Alentejo: sub-região estatística (NUTS III) de Portugal. Nem na nomenclatura existe dignidade.

Apesar de não ter dúvidas de que, por variadíssimas razões, o Baixo Alentejo tem todas as condições para se afirmar como uma região administrativa num futuro mapa nacional de regiões, não sou um defensor acérrimo da regionalização. Aliás, votei contra ambas as questões propostas no referendo sobre a Regionalização que este Novembro assinala vinte anos. Neste âmbito posso bem mais afirmar que me considero um “distritalista”. Sou partidário da descentralização por distritos. É um tipo de organização administrativa mais justa e democrática, com enraizamento histórico e percepção social, e que permite a continuidade de investimento em cidades de média dimensão, ao invés de, como tem acontecido, se apostar cirurgicamente em cinco cidades nacionais, relegando todas as restantes para mera paisagem árida. Desta forma nunca se conseguirá combater a litoralização do País e o despovoamento do interior. O País é constituído pela diversidade. Não podemos ter uma aldeia abandonada como opção a viver numa dessas cinco cidades altamente desenvolvidas. E quem não perceber que é esse o rumo que esta organização administrativa está a levar, então não está a olhar para o País com olhos de ver. Só com a atribuição de mais poderes, competências, e capacidade orçamental, as cidades - sejam elas sedes de Distrito, de Concelho, ou de Freguesia - podem desenvolver-se pelo seu mérito, pelos seus recursos, e pelo empenho das suas gentes. Tudo o resto é falsificar a palpitação do interior Nacional.

Contudo, e apesar do chumbo categórico conferido pelo País à regionalização administrativa, tal como esta foi proposta, a política seguida pelos vários governos tem sido justamente a contrária. Sem haver ninguém que grite bem alto que esse caminho não é consentâneo com a vontade manifestada pelos portugueses em sede própria. E Beja e o Baixo Alentejo têm sido vítimas centrais dessa política de desmantelamento territorial que urge travar e reverter.

Para se ter a percepção do contexto do Baixo Alentejo no todo nacional, é necessário conhecer alguns valores em termos demográficos, geográficos e de produtividade. Em termos absolutos, o AA (Alto Alentejo + Alentejo Central) conta com 13.623 km², ao passo que o BA (Baixo Alentejo + Alentejo Litoral) integra uma área de 13.814 km². Equivalem-se, portanto, em dimensão territorial, as duas regiões alentejanas. No que concerne à população, o BA conta 227.587 habitantes (censos de 2011), tendo o AA outros 285.058. Estes cerca de 50.000 habitantes de diferença são já o reflexo das políticas dos últimos anos, que têm afastado as populações do Baixo Alentejo, obrigado a elevadas taxas de migração e emigração, ao passo que os investimentos verificados no Alto Alentejo têm resultado na capacidade de atracção e retenção populacional nessa região.

Contudo, segundo o jornal de Negócios, e de acordo com um estudo levado a cabo há menos de um ano e meio, “o Alentejo Litoral é a região portuguesa com o nível mais elevado de produtividade do País, tendo ultrapassado Lisboa em 2014.” Os motivos estarão relacionados com desenvolvimento do complexo portuário de Sines e, em especial, da refinaria. Os dados foram revelados pelo Instituto Nacional de Estatística, sendo o factor produtividade calculado através da relação entre o PIB e o emprego. Ainda de acordo com o mesmo jornal, constata-se que o Baixo Alentejo é a terceira região mais produtiva do País, logo depois de Lisboa, com 109,5% ou seja, bem acima do todo nacional, enquanto o AA (Alto Alentejano e o Alentejo Central) se situam a meio da tabela com 92,3%, portanto abaixo do todo nacional. Desta forma facilmente se constata que um Baixo Alentejo “unificado” tem todas as condições para ser uma Região Administrativa, caso o País opte por este caminho. A região manter-se-ia à frente da de Lisboa, em termos de produtividade, sendo a líder de todo o País, atraindo a si quer mais investimento privado, quer mais atenção por parte do investimento público.


Supondo que a instalação de algumas empresas determinantes para o desenvolvimento da região dependia do seu parecer, quais seriam as mais-valias por si enunciadas para a fixação dessas empesas em Beja?

Quando eu era adolescente existia um jogo de computador muito famoso, e de que gostava muito, chamado Simcity. Era um jogo de simulação, no qual o jogador construía e administrava uma cidade. E que características eram precisas para fazer crescer sustentadamente a cidade? Pois bem, na prática as mesmas que, hoje em dia, são necessárias para fazer crescer uma cidade verdadeira: cuidados de saúde, meios de protecção civil, casas e prédios onde as pessoas possam viver, infantários, escolas e universidades, estradas, comboios, aeroporto, fábricas, lojas e instituições bancárias, hotéis, jardins e zonas verdes, espaços desportivos… enfim. O jogador que conseguisse este sistema básico de funcionamento conseguia fazer da sua cidade uma comunidade exemplar com toda uma estrutura funcionante, segura, confortável e auto-suficiente para os seus habitantes. O sucesso do jogo devia-se a essa relação estreita com a realidade.

Em bom rigor Beja precisa dessas características, dessas mais-valias, para se afirmar como uma cidade inteira. Se existir indústria aumentam os postos de trabalho, diminui o desemprego e surgem oportunidades de trabalho, primeiro para os residentes, e mais tarde para gente de fora, o que enriquecerá o seu tecido social, que comprará no seu comércio tornando-o mais robusto, que terá filhos a estudar nas suas escolas, que pagará mais impostos à cidade, que poderão ser utilizados para levar a cabo investimentos que gerem qualidade de vida e a atracção de mais gente, incluindo turistas, o que obriga a que o parque hoteleiro cresça e atraia mais turistas que aqui gastarão dinheiro e levarão, pela palavra, o nome da cidade ainda mais longe. A propósito diga-se que a oferta de camas em Beja é imensamente escassa para as necessidades. A taxa hoteleira da cidade  do concelho cifra-se perto dos 80% anuais. Ou seja, juntando épocas alta e baixa. O que prova que existe falta de oferta hoteleira. No passado mês de Março, a cidade recebeu a WorldSkills Portugal, o Campeonato Nacional das Profissões, que contou com 400 jovens altamente qualificados, transformando a cidade numa plataforma de competências. Toda esta gente foi dormir a Évora, por falta de oferta hoteleira na cidade.

Beja precisa de saber dar resposta a todos quantos nela se queiram fixar. Seja que sector de actividade for. Mais até do que esperar por receber propostas, seria útil a criação de uma “embaixada móvel”, e fora da cidade, que se antecipasse e chegasse aos potenciais interessados antes mesmo destes pensarem em Beja. Isto implica estudos de tendências de mercado empresariais e industriais. Há empresas que se dedicam exclusivamente a trabalhar nesta área. Chama-se “pensar à frente”. Chegar primeiro. É caro? Demora tempo? Seguramente que sim. Mas é um investimento que pode ser fundamental. Veja-se o exemplo do alto desenvolvimento turístico que Portugal vive desde há uns anos a esta parte. Não foi por acaso, nem tão pouco se ficou a dever a uma conjuntura externa mais favorável. Como alguém disse, houve gente que trabalhou muito bem, e durante muito tempo, para se chegar a este ponto de franco sucesso. E isso pode, e deve, ser um exemplo.


O Baixo-Alentejo vale a pena! – Quer comentar esta frase?

Vale. Vale muito. Pelas pessoas que tem. Pelas gentes que testemunharam um Portugal duro, austero e sem oportunidades, anterior a 74. Que quiseram acreditar que tudo iria mudar para melhor, mas cujas esperanças foram sendo goradas ano após ano, década após década. Toda esta gente, mais idosa, contribuiu com quase tudo o que tinha, e muitos pouco mais do que o seu trabalho braçal, a sua resiliência, de sol a sol, para o bem do País. Esse mesmo País não lhes pode virar costas. Nem a esses, mais velhos, nem aos seus filhos, muitos deles emigrados fora das nossas fronteiras, senão as do País, as do seu distrito. E tantos querem um dia poder regressar. Com os filhos que apenas já muito ao longe sabem que os pais, ou os avós, eram Baixo Alentejanos.

Por todas essas gerações deprimidas que tiveram de partir, ou não tendo sequer essa oportunidade não lhes restou senão ficar e esperar o que começa a fazer-se demasiado tardio. As oportunidades, os direitos, que justamente os restantes portugueses já experimentaram, ou começam a experimentar. Beja e o Baixo Alentejo não podem baixar os braços. Temos de lutar, unidos, independentemente de convicções pessoais e políticas, porque este é um desígnio demasiado forte. Sob pena de perdermos o berço e o lar das nossas famílias e da nossa história.

O Estado tem de terminar a A-26. Tem de requalificar o IP8. Mas também tem de olhar para todo o interior do Baixo Alentejo. Não basta dizer que se cumpriu Alqueva. Esse mesmo empreendimento foi projectado como uma das laterais de um tal “triângulo estratégico”, que compreendia ainda o Aeroporto de Beja e o Porto de Sines. Tudo isso tem sido desfeito. Sines cada vez mais desviada para norte, o Aeroporto apenas a muito custo, e com grande intervenção do Movimento BMM, começa agora a acordar da letargia.

O Hospital de Beja, mas o de Serpa, e o de Santiago do Cacém, e as demais unidades locais de Saúde espalhadas pela região não podem, pura e simplesmente, desaparecer para que, com esse desinvestimento se venha a financiar um mega hospital em Évora. Que está apenas a uma hora de Lisboa. Isto representa a total distorção geográfica do mapa nacional. A grande Lisboa conta com largo número de hospitais de grande porte em toda a sua periferia. Construir o mega hospital de Évora é redundar investimento do erário público. 120 milhões. E ao mesmo tempo significa desistir de Beja, Serpa, Sines, Portalegre, bem como do restante interior. Vai secar tudo à sua volta. Isso mesmo defendeu até à exaustão o anterior Bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva.

A linha electrificada é necessária de Beja a Lisboa, de forma directa. Mas também de Beja para a Funcheira. O comboio é um meio de transporte de futuro. Não poluente, rápido, seguro, fiável e confortável. A população está cansada das mentiras do Ministro do Planeamento e Infra-estruturas. Primeiro disse que haveria um investimento em material circulante bi-modal. Depois veio dizer que não seria para já. E finalmente afirmou que nem em 2030. E porquê? Porque se as políticas se mantiverem no caminho que está a ser seguido já não haverá na região gente com capacidade de luta em 2030. E assim poderá fechar-se a linha de forma mais descansada e com menos polémicas. E depois, o vazio. Mas uma coisa é certa: o Movimento BBM não vai parar a luta por Beja e pelo Baixo Alentejo. Venha quem vier, demore o tempo que demorar, juntos vamos conseguir! Beja Merece Mais! O Baixo Alentejo Merece Mais!

 

 

 

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